quinta-feira, 31 de julho de 2008

Um Jarro de Limonada!

            O mar estava ali perto, constante, todos os dias, inundando com aquele odor ácido e saboroso a iodo e a sal, as nossas almas e os nossos corações infantis.

            Ao longe, por cima dos muros de tijolo e cimento que rodeavam a quinta, nos dias agrestes de inverno, víamos os cordeirinhos das ondas, muito brancos, no pico da curvatura, parecendo novelos de lã a desdobrarem-se continuamente na direcção da praia.

            O mar, ao bater nas rochas e nos baixios, invadia de sons graves e profundos, a nossa imaginação.

            Ficávamos cheios de medo, encolhidos, sem nos mexermos, a ouvir aquele barulho.

            Estávamos sentados no castelo, ao fundo da Quinta, um castelo que o meu avô construíra, com infinita paciência e sabedoria, nos poucos intervalos da sua labuta diária, para os miúdos brincarem.

Era um castelo a sério, feito de tijolo maciço e coberto a argamassa, com ameias, vigias e uma larga porta, estilo gótico, encimada por uma figura heráldica que nunca entendi. Provavelmente, algum símbolo celta que o meu avô trouxera, na sua alma generosa, das minas galegas, lá para os lados de Pontevedra, ou apenas uma inspiração de momento ao sabor dos movimentos da colher de pedreiro e daqueles olhos astutos e ternos.

            O castelo era o nosso refúgio, após as aulas, na escola primária oficial, onde o Senhor Almeida era o temor.

 

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            O senhor Almeida, o mestre-escola, era uma daquelas figuras terríficas, cinzentas, malvadas, que punha toda a criançada em pânico quando pegava na longa cana-da-índia, ou na menina-dos-sete-olhos, como lhe chamava, uma régua de madeira grossa, castanha, polida de tanto se esfregar nas nossas mãos húmidas de medo e de ansiedade.

            Quando estávamos nas aulas do Senhor Almeida, olhando o quadro preto de ardósia, só pensávamos no nosso castelo, nos índios, nos cowboys, nas pistolas, e nos cuidados a ter com o Sô Joaquim – assim se chamava o meu avô – pois, caso pisássemos as flores ou estragássemos a horta, tínhamos o Sô Joaquim a correr atrás de nós com uma sachola, ou uma enxada, sempre á procura dos nossos rabos, onde nunca acertava, mas fazia-nos correr toda a Quinta a fugir daquela tareia que nós sabíamos que nunca aconteceria. Era o nosso jogo.

O Sô Joaquim nunca era capaz de nos bater mas que nos fazia correr desalmadamente, lá isso era verdade.

            O nosso castelo, situado ao fundo da Quinta, junto ao muro grande que a separava de outra, essa sim ,virada de frente para o mar, era muito cobiçado e vulnerável, pois os miúdos da quinta vizinha atacavam de repente, vestidos de índios e armados com canas, arcos e setas, aos gritos, atemorizando a minha avó e as minhas tias.

            Devo confessar que a primeira preocupação da minha avó ao ouvir aqueles gritos estridentes da horda de índios, e depois de barafustar modestamente, era ir a correr preparar o lanche para os meninos, pois depois da brincadeira, deviam estar cheios de fome.

            Arranjava uns papo-secos com muita manteiga, marmelada, leite e, se fosse no Verão, um largo jarro de vidro com limonada, aromatizada com uma folha de laranjeira acabadinha de apanhar.

Enquanto os índios e os cowboys se guerreavam, já na expectativa do lanche da VÓ ‘Estreia – a minha avó tinha um nome raro, Austreia, com origem no Redondo, e simbolizando talvez, o pôr-do-sol por detrás da serra de Ossa, perto da fábrica dos pirolitos, aqueles pirolitos que faziam de berlindes e que entretiam jogatinas que mais não precisavam do que três pequenas covas na terra, para se realizarem autênticos campeonatos do pequeno mundo em que vivíamos – enquanto os índios e os cowboys se guerreavam, dizia, a Odília, a cozinheira, carregava largos troços de madeira para o fogão, mais um balde de briquetes da arrecadação que ficava por baixo da grande janela da cozinha, de onde saíam uns odores cada vez mais desenhados e permanentes, fazendo antever os deliciosos pitéus que preparava para o jantar.

 

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            Aquelas guerras com os vizinhos da Quinta ao lado, virada para o mar, no castelo feito pelo meu avô, eram verdadeiras batalhas infantis, onde tinha sempre que haver um vencedor. Um dia os índios, outro os cowboys. Não podia acontecer ganharem os mesmos dois dias seguidos, pois isso iria tirar brilho ao esforço equivalente que os dois grupos, com rapazes e raparigas, desenvolviam. Talvez já fosse um embrião da alternância em democracia, sentida como inevitável naqueles longínquos tempos de 50.

            As memórias da II Grande Guerra Mundial ainda estavam muito presentes. Comíamos, por vezes, comida em lata, de origem americana – o rostbeef – que havia sido armazenada pelo dono da quinta onde o meu avô era o caseiro de confiança, para fazer face ao racionamento.

            Ouvíamos contar muitas histórias da falta de açúcar, da falta de carne, da falta de azeite e de óleo, da falta de manteiga, das senhas de racionamento, mas a minha avó fazia sempre questão de dizer, no final das conversas, que nós tínhamos sido uns privilegiados, pois nada nos faltara devido ao açambarcamento feito, durante anos, pelo patrão do meu avô, que sempre doara, semanalmente, durante a guerra, um saco de arroz aos pobres.

            São desses tempos as recomendações para nunca se deixar comida no prato.

 

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Todas as manhãs, por volta das nove horas, soava o sino que havia junto ao portão de ferro e que servia de campainha.

Era a peixeira, naquele tempo chamada varina, com um grande cabaz de vime á cabeça, cheio de peixe, acabadinha de chegar, a pé, da praia de Cascais, com peixe fresco.

- Ó menina Estreia, veja esta sardinha! Olhe para estas guelras encarnadinhas, ainda cheias de sangue. É só a 5$00 o quarteirão! ( neste tempos, o quarteirão era, a par da dúzia, a unidade de medida para o peixe. Um quarteirão correspondia a 25 unidades, mas mandavam as regras que se acrescentasse sempre mais cinco unidades que “eram para o gato”).

A minha avó deitava a mão ao cabaz, mexia, remexia, olhava, cheirava, até se certificar que o peixe era de facto fresco e a sardinha não estava moída.

Fazia contas de cabeça, e dizia:

- Ó menina Rosa, dê-me dois quarteirões. Ponha aqui neste alguidar, mas, veja lá, não quero sardinhas moídas!

A senhora Rosa, mandava para o fundo do alguidar uma mão-cheia de sal grosso e, com imenso cuidado, ia ajeitando as sardinhas, uma a uma, lado a lado, em camadas perfeitas, para que apanhassem o sal por igual. A minha avó, enquanto rebuscava nos bolsos do avental de chita á procura das moedas para pagar o peixe, já pensava no que iria fazer para o almoço.

            Amanhã era Sábado, dia em que vinham os patrões, chegavam de Lisboa, de carro – um “DeSotto”, negro, muito grande - logo a seguir ao almoço, pelo que a minha avó recomendou á Senhora Rosa para não se esquecer de trazer, amanhã de manhã, dois gorazes e um pargo, os peixes preferidos do patrão-velho, o patriarca da família, que lambia os beiços por uma cabeça de goraz, cozida, acompanhada pelos grelos e batatas acabados de apanhar pelo meu avô na horta que ficava junto ao castelo.

 

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O "59"!

Nesses primeiros dias, no contacto com as tarefas rotineiras, destacaram-se logo os mais aptos ao desenrascanço, ou seja, começaram a aparecer aquelas figuras típicas com elevada capacidade de adaptação a todas as circunstâncias, fossem de que natureza fossem.

Um deles era um personagem fabuloso.

Tinha a alcunha do “59” e era oriundo de uma pequena aldeia da Beira Baixa, perto de Castelo Branco, mas vivia em Lisboa desde pequeno.

Começara a trabalhar aos dez anos, num ferro velho de Alcântara, mais propriamente, do Alvito, e aprendera rapidamente toda a malandrice e ratice típicas daquele bairro popular de Lisboa: era, em suma, um verdadeiro “malandro de Alcântara”.

Tinha uma compleição física notável, mas o cérebro já muito afectado por tanto álcool ingerido em pequeno e das bebedeiras constantes em adulto. O seu estado normal era de embriaguez.

Devido ao facto de ser um pouco atrasado de espírito – para não lhe chamar maluco – rapidamente se tornou o bobo da corte. Limpava as latrinas, fazia os trabalhos mais pesados, era capaz de estar duas noites sem dormir e, se fosse aliciado por uma nota de cem escudos, ainda era capaz de fazer o terceiro reforço consecutivo sem um queixume.

Não tinha a mínima noção do que era o perigo, pelo que, quando fazíamos as colunas de viaturas para ir buscar mantimentos, o “59” ia sempre de pé, no Unimog, agarrado á Dreise, uma poderosíssima metralhadora de fita, montada na parte de trás da viatura.

Fazia as maiores maluqueiras, pondo todo o pessoal a rir á gargalhada.

Era uma boa alma, o “59”, e estar ali, rodeado de muita gente, com almoço e jantar á hora certa, com cama a sério, era o que de melhor a vida lhe tinha proporcionado até então.

Toda a gente gostava do “59”, apesar de lhe fazermos as maiores tropelias.

Uma noite, estávamos no quarto de um dos furriéis, a ouvir música de jazz – Eric Clapton – quando o “59” entrou, a ver se cravava umas cervejas ou uma garrafa de whisky. Já eram duas horas da manhã e um silêncio, só entrecortado pelo barulho dos geradores de electricidade, invadia o aquartelamento.

Porque já estávamos todos um pouco tocados, dissemo-lhe:

- “59”, queres ganhar uma grade de cerveja?

Os olhos brilharam, de imediato.

- Então tens que pegar na G3 e despejar um carregador na parada!

O “59”, fez cara de amuado, e respondeu:

- Para beber a merda de uma grade de cerveja tenho que despejar um carregador? Despejem vocês!

- Tens medo?, perguntámos, em tom de desafio.

- Eu não tenho medo de nada, foca-se!, e saiu disparado.

Não demorou mais de cinco minutos. Começámos a ouvir uma rajada de metralhadora, longa, longa.

Saímos a correr e fomos ver o que estava a acontecer. O “59”, no meio da parada, com a G3 erguida ao alto, gritava “Tenho medo, eu! Tenho medo? Tomem lá o medo”.

De repente, toda a companhia estava de pé, acordada por aquele alvoroço, de armas em punho, procurando o “inimigo” que disparava rajadas de metralhadora ás duas horas da manhã.

Quando acabou de esvaziar o carregador, o amigo “59” dirige-se ao nosso grupo e, com uma enorme calma e um maior desplante, diz:

- Então onde é que está a merda da grade de cerveja? Vai já toda de uma assentada!

O resto do pessoal, ao ouvir o “59” imediatamente percebeu quem tinham sido os autores da marosca e dirigiram-nos toda a espécie de impropérios. “filhos da puta, a gozarem com o maluco”, “sacanas, a acordarem um gajo ás duas da manhã!”, “amanhã estão fodidos comigo”, etc., etc.

Escusado será dizer que o “59” foi de cana e apanhou cinco dias de detenção. Levámo-lhe a grade de cerveja prometida, bem como uma grande pedra de gelo para refrescar as “nocais” e o cantineiro ia levar-lhe as refeições á prisão improvisada nos fundos da oficina de carpintaria. Foi uma experiência fantástica para o “59” que nunca tinha tido, tal como a maioria de nós, qualquer período de férias, na vida. Gostou, habituou-se, sentiu-se importante, e, ao longo de dois anos, raro era o mês em que o “59” não apanhava cindo ou dez dias de detenção.

Quando o criticávamos, respondia-nos:

- Eu é que sou maluco não é? ’tou na prisa descansado, a beber umas bojecas, e vocês é que andam a dar o coiro. E eu é que sou maluco, não é?

 

 

terça-feira, 17 de junho de 2008

O Modelo do Avião

Lembra-se da adrenalina a subir – ou do medo – quando o avião começa a descer e se prepara para aterrar? Quando se ouvem aqueles barulhos esquisitos e começamos a pensar que se passa alguma coisa de errado?
As mãos estão suadas e ajeitamos o corpo na cadeira ao mesmo tempo que olhamos pela janela, não vá o diabo tecê-las.
Faz-se um silêncio enorme na cabina e toda a gente está hirta e tensa. Entretanto, o que é que acontece no «cockpit» do avião? Mais ou menos o seguinte, que o espaço da crónica não dá para grandes devaneios:
«Flaps one», diz o PIC-Pilot in Comand depois de verificar que o avião está estabilizado por cima do «localizer». O PNF-Pilot not Flying acciona a alavanca que faz com que os flaps do avião se estendam um grau. Começam a ouvir-se os motores dos «flaps» e é visível a quem viaja por cima da asa a movimentação dos mesmos.
«Gear Down», diz o PIC. Novamente o PNF acciona a alavanca respectiva e os trens de aterragem do avião começam a tomar a posição devida. Ouvem-se os estalidos característicos da abertura dos alçapões e do estiramento dos trens de aterragem dianteiro e do nariz.
Mais ou menos em simultâneo com estas instruções, que só se iniciam após a «check-list» do «setup» de aterragem ter sido verificada , o PIC reduz a velocidade do avião para os valores que lhe foram dados pelo computador de bordo , equacionando as variáveis de vento, peso e condições da pista. Dá novas ordens de extensão dos «flaps» – Flaps 15, Flaps 30, e, nalguns casos, Flaps 40.
Configura-se o sistema automático de travagem de acordo com as características do avião e as limitações impostas por aquele aeroporto específico.
Ao longe já se vê uma fina tira de alcatrão, a pista de aterragem, completamente alinhada com o nariz do aparelho. Até que o avião toque com as rodas no solo, sucedem-se, de forma muito rápida, todas as operações que visam proporcionar aos passageiros uma aterragem em segurança, dentro dos limites operacionais do avião, das condições atmosféricas e do estado e características da pista.
Se esses limites estiverem para além do que é estabelecido pela companhia que detém o avião, ou se o PIC considerar que não existem condições de prosseguir a aproximação final – devido, nomeadamente, a uma alteração brusca das condições existentes – aborta a aterragem e segue para os aeroportos alternantes – estão sempre previstos dois – cujas coordenadas já estão inseridas no plano de voo desde a partida.
Objectivo: não colocar em risco os passageiros, o avião e a segurança de terceiros.
Apesar desta breve e incompleta descrição do que são os preparativos para a aterragem de um avião comercial , perguntam os leitores: O que é que os modelos de gestão das empresas têm que ver com os aviões?
Aparentemente, nada!
Do ponto de vista dos modelos de organização e gestão, tudo, pois o avião constitui o mais simples e eficaz modelo de gestão que existe, como irei demonstrar de seguida.
Para comprazer o meu amigo Carlos Perdigão, o avião constitui o mais «óbvio, prático e concreto» modelo de gestão conhecido, e todos sabemos a necessidade que as empresas têm de voltar a encontrar os caminhos da simplicidade e do senso comum.
Vejamos então, em detalhe e na óptica dos modelos de organização e gestão – pois não posso ignorar que sou Consultor de Gestão – o que se passa no avião:
a) foi construído para a função que desempenha, ou seja, tem o «layout» totalmente adequado no plano da forma e da tecnologia. Não tem mais nem menos do que necessita para cumprir a sua função. Tudo está optimizado;
b) tem um rumo que é conhecido «a priori». Sabe de onde parte e para onde vai. Reúne todas as informações sobre o percurso a percorrer e prepara antecipadamente alternativas caso as coisas não corram de acordo com o inicialmente previsto. Para o conseguir, consulta múltiplas fontes de informação e consolida-a em função do seu objectivo. A sua rota é sempre feita por etapas ;
c) a autoridade está perfeitamente definida. Independentemente das hierarquias funcionais, sabe-se sempre quem manda, inclusivé, o nome. Quem manda exerce de forma clara e perceptível essa autoridade;
d) existe uma proximidade total com os clientes. Sabem-se as suas necessidades e tenta-se satisfazê-las de imediato. Tudo está organizado para que o cliente sinta que não foi defraudado com o produto ou serviço que comprou;
e) as componentes estratégicas e operacionais estão devidamente separadas, não existindo o risco de quem tem responsabilidades estratégicas não as exercer, por não ter as competências devidas. Todos foram treinados de forma exaustiva para exercerem as suas funções;
f) o controlo de execução das tarefas que a cada um competem, é total, não existindo qualquer possibilidade de não serem exercidas. O controlo é parte integrante do modelo de organização e gestão;
g) o que não corre bem é devidamente registado para que possa ser corrigido, dentro de uma filosofia de que um incidente ocorrido uma vez não mais poderá repetir-se tendo as mesmas causas;
h) a comunicação entre todos os sectores é permanente;
i) o elemento lúdico está sempre presente;
j) todos têm uma reciclagem permanente das competências. Se não as exercerem por um determinado período de tempo, são impedidos de trabalhar, até que as readquiram novamente. Utilizam-se simuladores das situações reais para efectuar o treino;
k) os serviços de suporte estão totalmente ao serviço do negócio;
l) periodicamente, o avião é revisto para se verificar se continua em condições de cumprir a sua função, mesmo que esteja tudo a correr bem;
m) existe uma optimização total de recursos, não se consumindo mais do que os que são estritamente necessários. A optimização é permanente;
n) o avião tem um período de vida útil, após o que é substituído;
o) para se trabalhar no avião tem que se gostar e conhecer, pois a dureza da vida a bordo não se compadece com uma atitude meramente mercenária.
Já imaginaram os leitores o que seria se todas as nossas empresas adoptassem o Modelo do Avião, ou seja, o PMM – Plane Management Model? (chamo-lhe assim para criar «escola», pois inventei a sigla e o modelo foi aparecendo durante o meu trabalho como consultor em empresas aeronáuticas e através das conversas com o meu parceiro destas lides, o Jorge Marques, também ele cronista regular deste espaço)
Teríamos, decerto, empresas mais eficientes, mais orientadas para o negócio e os clientes, com lideranças claras exercidas por líderes competentes e treinados, que não desperdiçariam recursos, optimizadas, seguras, que tinham sempre alternativas previstas quando as coisas não corressem bem, que procediam a uma verificação/reverificação permanente dos seus métodos e processos, que treinavam os seus colaboradores de forma permanente e que usavam de forma eficaz a informação.
Será um sonho? Será uma antecipação do futuro?
Os leitores mais cépticos, perguntarão, será que funciona?
O Eng.º. Fernando Pinto, da TAP, tem vindo a demonstrar que sim, que é possível fazê-lo, pois não se pode ignorar um modelo que tem dado excelentes provas em todo o mundo e durante mais de cinquenta anos.
Afinal, andamos todos à procura do modelo de organização e gestão ideal para as empresas e já viajámos nele tantas vezes.
Porque não pensar nisto a sério?
A próxima vez que andar de avião observe com atenção tudo o que acabei de descrever.
Se calhar vai encontrar respostas para questões que o andam a preocupar. E já agora, quando olhar para o céu e vir um avião, imagine que a sua empresa também pode despertar aquele sentimento de contemplação e de sonho. Aplique o modelo do avião, ou se preferir uma designação mais sofisticada, o PMM – Plane Management Model.
Afinal, o melhor da vida são as coisas simples, práticas e concretas, não são?

Medo e Compromisso

Num quadro de instabilidade crescente – nomeadamente económica e social – com uma precarização dos relacionamentos – laborais, afectivos, grupais – que lugares poderão encontrar para o compromisso (“commitment”), para aquele sentimento de dedicação profunda, de envolvimento, de alegria?
Esta é hoje uma questão recorrente.
Preocupa as famílias e, acima de tudo, as empresas.
Como e de que forma é possível pedir a alguém que se comprometa – com um projecto, com uma ideia, com os colegas, com o líder – quando as pessoas vivem num quadro onde o medo – gerado pela precarização dos relacionamentos – assume um papel predominante?
Sim, as pessoas andam com medo.
Medo de perder a família, medo de não poderem continuar a manter o mesmo estilo de vida, medo de perder a(o)s companheira(o)s, medo da insegurança, medo de perder o emprego ou o trabalho – ainda, e sobretudo, se precário. E este medo é interclassista. Afecta os que têm muito e os que pouco ou nada mantêm. Todos partilham, em forma diferentemente doseadas é evidente, o medo.
E sobre esta problemática, encontramos diversos posicionamentos.
Para uns, deve evitar-se ter medo (como se isso fosse possível e aconselhável), para outros, devemos aprender a geri-lo e, para outros ainda – para não me resumir a uma visão bipolar tão comum nos dias de hoje – devemos ultrapassar o medo, ou seja, deixar de senti-lo.
Ora, o medo é um sentimento essencial à sobrevivência da espécie humana. Sem o medo, já as nações se teriam destruído pela via nuclear e cada um de nós, caso esse cataclismo não ocorresse, dificilmente sobreviveríamos sem o medo. Saltaríamos de uma alta montanha, atravessávamos a auto-estrada a passo de caracol e não combateríamos o ridículo.
E como sentimento humano e ainda por cima necessário à sobrevivência, ainda bem que temos medo. Todavia, o quadro de instabilidade e de insegurança atrás referido, tem trazido um novo tipo de medo – antinatural – que é um medo patológico (doentio). Já não é sentir medo, mas ter medo, de forma quase permanente, bloqueadora, que castra a própria vida.
E é esta forma sofredora de ter medo que impede o estabelecimento do compromisso no sentido positivo.
Quando uma empresa ameaça permanentemente os seus trabalhadores da possibilidade de encerramento ou de rescisão do seu contrato a termo certo, chamando a atenção do trabalhador dos efeitos que a perda do salário pode ter na sua vida, mais não faz do que apelar ao ter medo e gera, com isso, uma atitude de compromisso sim, com esse mesmo medo quase irracional e não com qualquer projecto ou ideia. Nestes casos é completamente hipócrita falar do tão conhecido chavão do “vestir a camisola”, pois “vestir a camisola” (a não ser que ofereçam tshirts) neste contexto é completamente impossível. O trabalhador pode fazer uma representação social mais ou menos convincente de está envolvido com a empresa, mas, de facto, está de um sentimento de quase pavor, que é o mais próximo do ter medo.
O que devem então as empresas fazer para aprender a lidar com esta dicotomia aparentemente inultrapassável de necessitarem de um compromisso por parte dos seus trabalhadores e ao mesmo tempo estes sentirem medo?
Em primeiro lugar, perceberem e entenderem – através do seu discurso, do discurso dos seus dirigentes e da sua prática instrumental – que gerar medo não vai conduzir ao compromisso. Gerar medo nos trabalhadores assume forma de manipulação dos sentimentos e, por essa via, só vão provocar o ter medo!
A resposta dos trabalhadores será uma representação dos seus papéis sociais orientada para aquilo que a empresa diz que espera deles, mas sem que se estabeleça verdadeiro compromisso.
Já é suficiente sentir medo. Ninguém precisa que lhe façam ter medo!

Génese

Será que, de facto, todas as coisas têm principio, meio e fim?
Ou esta sequência harmoniosa, previsível, constitui uma simplificação - talvez excessiva - de todos os processos naturais, físicos e humanos?
O principio das coisas - do universo, dos objectos, da vida - é mesmo um momento determinado, ou vai acontecendo, lentamente, sem que tenhamos consciência da sua existência?
Esta questão - a génese - é hoje uma questão essencial á compreensão de nós próprios, do mundo, da existência do universo. Temos andado obcecados pela ideia de que as coisas, as pessoas, têm principio, meio e fim. (Se calhar porque não suportamos nem conseguimos entender a existência do nada, do vazio absoluto, da ausência simultânea de espaço e de tempo).
Será mesmo assim?
Por exemplo: eu nasci quando adquiri capacidade de respirar de forma autónoma? Quando ocorreu a fecundação do óvulo da minha mãe? Ou comecei a nascer quando ocorreram as condições que permitiram á minha mãe e ao meu pai serem férteis? Ou ainda, nasci quando os meus ascendente foram bem sucedidos nas sua procriação ao longo de gerações?
Acabamos quando? Quando o nosso corpo deixa de funcionar? Ou quando o nosso espírito – ou alma, provavelmente são a mesma coisa – abandona a matéria e começa a vaguear eternamente pelo espaço infinito? Sim, porque se somos seres emocionais a viver uma experiência humana, alguma coisa etérea, alguma forma de energia terá que ficar, pois as partículas de energia não devem desaparecer com o término do funcionamento corporal!
E se tempos principio, meio e fim, o que será o meio? A meia-idade, a meia-vida ou a meia existência?
Não sei bem o que será o meio da vida. Das coisas, se for possível cortá-las ao meio é mais fácil, mas o meio da vida não consigo vislumbrá-lo.
Confesso que estas questões da Génese, da origem, do finito e do infinito, do espírito e da matéria, sempre me inquietaram. E sei que não estou só! Muitos mais seres pensantes têm a mesma sede de se interrogarem, de tentarem compreender.
Não deposito grande esperança nesse desiderato – compreender!
Acho que vale mais a interrogação e a inquietação do que propriamente a resposta.
Se “soubesse” – assim, literalmente, tudo deixava de fazer sentido.
É preferível, nos tempos que correm, remeter para Deus a data de partida e as razões da viagem e sempre que aparecem escolhos no caminho, devolver ao divino a não-resposta.
Talvez tenha descoberto a minha génese!

Isto tudo para dizer que, de facto, a obrigatoriedade das coisas e das pessoas terem principio, meio e fim, torna a existência aparentemente mais simples, mas também aborrecida. Se tudo nasce, vive e morre, ficamos com a maior parte das interrogações que deviam ser existenciais aparentemente resolvidas.
Mas, no fundo, não resolvemos nada, antes criámos uma espécie de metáfora mais ou menos evidente para esconder a nossa preguiça de reflexão e de interrogação.
E, assim, não caminhamos na busca do conhecimento, ficamos parados, passivos, estáticos, aceitando como terminado aquilo que se calhar ainda não começou, e tomando como tendo sido iniciado aquilo que já existe á muito. E no meio, provavelmente, não existe nada, só um elo de ligação.
A génese da vida, do universo, das coisas, só se torna importante quando deixamos de as aceitar como elas se oferecem e visionamos o que estava lá e o que está para vir!
Quando sonhamos!

A Regulação Social

Com um destaque sem precedentes nos anos mais recentes, realizou-se recentemente o XI congresso da CGTP-IN, Confederação Nacional dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional, subordinado ao tema "Emprego, Justa Distribuição da Riqueza, Mais Força aos Sindicatos".
Como linha de força do Congresso a CGTP pretendeu colocar a “valorização do trabalho e do sindicalismo mais na agenda política”.
Apesar de muita da comunicação social ter centrado a sua atenção na reeleição de Manuel Carvalho da Silva, o facto mais importante deste Congresso foi, sem sombra de dúvida, o destaque que conseguiu obter junto de todos aqueles que vêem o trabalho, o sindicalismo e as reivindicações sociais, como parte integrante de um processo de regulação social.
No momento actual do nosso país, ainda mal refeito de um violento combate ao défice das finanças públicas – com todas as consequências económicas e sociais que se conhecem – os problemas da regulação social assumem uma importância nuclear.
Em primeiro lugar, porque o “social” não pode ser deixado ao livre arbítrio do “mercado”, sob pena de ser secundarizado;
Em segundo lugar, porque nunca o “social” – entendido nos seus diferentes aspectos, económicos e políticos – esteve tão debaixo de ataques violentíssimos;
Em terceiro lugar, porque a “regulação social” ainda não ganhou em Portugal a sua “carta de alforria”, ou seja, ainda não se olha para a regulação social como um instrumento fundamental do desenvolvimento do País.
O próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros – Luís Amado – em recente entrevista, refere a necessidade de “reconstrução” do “social”, com a tarefa prioritária a que o governo deverá meter mãos nos tempos mais próximos.
Isto revela que, mesmo na esfera governamental, existe uma consciência de que as questões sociais tem sido descuradas em nome de um ênfase económico talvez excessivo.
Este XI Congresso da CGTP-IN deu assim um contributo importante para a criação de um clima mais favorável ao desenvolvimento de verdadeiros mecanismos de regulação social, entendida esta no seu cômputo geral e global, pois Portugal carece de verdadeiros mecanismos de regulação social, quer ao nível de sector de actividade quer ao nível de empresa.
O Governo, ao mesmo tempo que lança campanhas de promoção turística, de poupança energética, de segurança rodoviária, deveria também lançar uma enorme campanha de promoção da sindicalização, dignificando o papel do trabalhador sindicalizado e reforçando assim a capacidade económica dos Sindicatos.
As pessoas têm medo de se sindicalizar porque se o fizerem correm o risco de perder a própria precariedade em que se encontram, ou seja, o receio da sindicalização é o próprio receio da perda do emprego precário. E este facto é atentatório dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Os países mais competitivos do mundo – Finlândia, Suécia e mesmo os Estados Unidos nalguns sectores de actividade – têm taxas de sindicalização elevadíssimas e não foi isso que os impediu de alcançarem os patamares de desenvolvimento a que ascenderam. Se calhar, foi por terem essa fortíssima regulação social que conseguiram de forma tão notável ascender aos mais elevados patamares do desenvolvimento integrado.
Talvez porque olham a sociedade como um todo em harmonia e não permitem – através dos mecanismos de regulação social – que os fenómenos de extremismo social e económico aconteçam. Porque encaram a cidadania de forma diferente. Porque têm uma formação cidadã.
Porque fazem da regulação – económica, judicial, social – um mecanismo de desenvolvimento por excelência.
A consciência social portuguesa tem muito a aprender no que à regulação social respeita.
Mas, para isso, é necessário afastar temores, erradicar superstições e, acima de tudo, dar ao trabalho e a tudo aquilo que ele representa, um espaço de maior dignificação. Como diz a encíclica papal “laborum exercens” o trabalho não pode ser somente um veículo de sobrevivência, pois é, acima de tudo, uma forma suprema de dignificação dos homens e das mulheres.
É por tudo isto que acho que o XI Congresso da CGTP não pode deixar de ser considerado um grande contributo para uma maior consciência social em Portugal.

A Aldeia do Conhecimento

O ex-primeiro-ministro da Malásia, Mohatir Moahmed, considerado por muitos o “pai” da Malásia moderna – e apesar das críticas aos seus quase vinte e cinco anos de poder – escreve no seu último livro que o Islão – ou seja a comunidade que adopta a religião islâmica como religião professa – “…voltará a ser grande quando voltar a ser senhor do conhecimento.”
Esta ideia, que constitui aliás um regresso ideológico ao passado de grandeza intelectual do Islão dos séculos X, XI e XII, tem gerado nos países que oficialmente adoptam o Islão como religião de Estado, muitos seguidores.
Na prática, significa uma condenação das práticas radicais e extremistas – tão em voga nos dias de hoje – e reconduz a problemática da identidade e da importância, à questão do saber e do conhecimento.
Nada de novo, portanto, no plano ideológico.
Mas do ponto de vista prático, esta corrente doutrinária – busca da supremacia com base no conhecimento – tem levado muitos países da esfera islâmica à adopção de políticas de educação e formação sem paralelo no chamado mundo ocidental.
Uma das mais interessantes encontra-se no Dubai (Emiratos Árabes Unidos).
A par das majestosas construções com um design e uma arquitectura arrojadíssima, a par do luxo e da ostentação, de paredes meias com o grande centro financeiro da cidade, encontramos a “Aldeia do Conhecimento” – The Knowledge Village.
É um espaço físico, delimitado, onde estão alojadas cerca de 400 empresas de Recursos Humanos, Universidades, Academias, Escolas de Gestão, beneficiando todas elas de isenções fiscais totais – ou seja, não pagam qualquer tipo de imposto – por um período mínimo de dez anos.
Todas as entidades ali alojadas – bem como os Consultores e Professores independentes que o pretendam – podem utilizar a marca “Knowledge Village” para promoverem o seu trabalho e venderem os seus serviços.
Todos os residentes na “Aldeia do Conhecimento” têm obrigação de frequentarem os workshops regulares que visam a transferência de know-how e o desenvolvimento do trabalho em rede cooperativa.
Recentemente, aquando do Congresso Mundial da IFTDO – International Federation for Training and Development Organizations, realizado no Dubai, tive oportunidade de visitar a “Aldeia do Conhecimento” e tomar contacto directo com alguns dos projectos ali desenvolvidos.
Confesso que fiquei espantado!
Não esperava encontrar, paredes meias com o maior luxo, tanto amor e tanto empenho pelo Conhecimento.
Para que os leitores tenham ideia, assisti a uma apresentação – feita pelo Assessor do Sheik do Dubai para o desenvolvimento das lideranças – de um projecto a 15 anos, que visa desenvolver competências de liderança em toda a população, e preparar as sucessões tanto na Administração Pública como no sector privado.
É um projecto que conta com um investimento global de 12 biliões de dólares e que permite a todos os jovens adquirirem formação específica, terem um Coach, e sujeitarem-se a Assessment permanente das suas competências de liderança. Estagiam nas empresas e na Administração Pública, são avaliados e partilham as suas vivências e experiências com todos os envolvidos no projecto. A assistência técnica ao projecto é garantida por alguns dos maiores especialistas mundiais em liderança e assessment.
A participação no projecto não acarreta quaisquer despesas, inclusive a frequência de Mestrados e de Pós-Graduações é suportada pelo estado.
Convém dizer também que o Dubai – a par do Bahrain – já decidiu deixar de explorar petróleo. A sua economia depende hoje do comércio, do turismo e do sector financeiro.
Com esta visão e com esta coragem, não me admiro que o desejo de Mohatir Moahmed se cumpra e que, daqui a alguns – poucos – anos, o Islão volte a ser “dono” do conhecimento.
Gostava que olhássemos estes exemplos com menos preconceito e com mais atenção e cuidado.
Se assim não for, o Alvin Toffler, ao dizer que o futuro já aí está mas milhões de cegos não o querem ver, terá cumprido a sua “terceira vaga”.

Insensibilidade

Todos somos sensíveis a alguma coisa. Ao prazer, à dor, às crianças, aos idosos, ao justo, ao injusto, ao correcto, ao incorrecto, às lágrimas, à beleza.
É a nossa inteligência emocional.
Sentimos para conhecer e conhecemos para perceber e entender.
É o processo oposto de todas aquelas elucubrações que só se passam no domínio do intelecto. Pensamos, pensamos, voltamos a pensar, mas na maior parte dos casos sem qualquer reacção do sistema emocional e sensitivo. Acabamos por não entender nada, pois falta um elemento essencial: o sentir.
O processo de sentir – complexo e maravilhoso – não é um processo de canal único.
As diferentes formas de energia – magnética, eléctrica – nos seus diversos estados – frio, calor – a luz, as formas dos objectos que nos rodeiam, os cheiros, o tacto, o medo, são veículos que nos podem despertar emoções e sensações (estas podem transformar-se nas outras e vice-versa).
Todavia, ao longo dos anos, se nos distrairmos, podemos ir perdendo essa maravilhosa capacidade de sentir e de expressarmos esses sentimentos.
Muita gente, traumatizada por vidas duras e difíceis, quase perdeu a capacidade de se escutar, de sentir o seu coração e o seu corpo.
Outros, educados na repressão emocional – mais feroz, muitas vezes, do que a repressão física e policial – não conseguiram ainda libertar-se e vivem num estado de autêntica clausura emocional.
Outros ainda, tolhidos pelo medo de expressarem as suas emoções, convencem-se de que não são capazes de sentir e ignoram todos os sinais.
Modernamente, uma classe tecno-política (verdadeiros tecnocratas da política) emergente, é completamente incapaz de expressar emoções perante o sofrimento alheio. Reduz tudo a estudos e a análises económico-financeiras, cobrindo-se com o manto (não) diáfano do poder.
São os novos iletrados emocionais:
· Conseguem dizer que são sensíveis ao problema e nada fazer.
· Conseguem olhar com distanciamento o sofrimento alheio.
· Conseguem persistir em ideias do passado quando aí vem o futuro.
· Conseguem esconder-se dentro de uma redoma protectora.
· Conseguem viver não vivendo e não deixando os outros viver.
Estes novos iletrados emocionais – que pululam por aqui e por ali – reconhecem-se facilmente não por aquilo que fazem mas, acima de tudo, pelo que não fazem, autoproclamando-se proprietários da razão e os outros – os que sofrem, os que vivem com imensas dificuldades, os que não têm que comer – são sempre referidos como tendo dificuldades de entendimento e de análise das circunstâncias.
E até já se chegou ao cúmulo de classificar os dados sobre a pobreza e sobre as desigualdades na distribuição do rendimento em Portugal como “empiricamente falsos”.
Ou seja, tudo serve, tudo é utilizado para justificar a insensibilidade perante as dificuldades actuais das pessoas e das famílias.
É como se o país pudesse viver a dois níveis completamente antagónicos. O dinheiro para construir um novo aeroporto e uma rede de comboios de alta velocidade é um investimento e o país tem – ou pode obter – os recursos financeiros necessários.
Mas erradicar a pobreza, distribuir a riqueza gerada no país de forma mais equitativa, não é possível, porque o país (o mesmo do parágrafo anterior) não tem meios para tal.
Devemo-nos sentir mais orgulhos de ter um novo aeroporto ou de as pessoas terem os meios necessários para uma vida digna?
Devemos ter mais orgulho em ser uma sociedade justa e solidária na distribuição dos rendimentos ou em ter um TGV?
São estas as novas interrogações geradas pela iliteracia emocional.
E esta, levada ao extremo, transforma-se numa verdadeira insensibilidade!
Quem perde a sensibilidade às questões do justo e do injusto, do certo e do errado, do bem e do mal, perde toda a ética.
E quem perde a ética perde também a moral!

ocorreiodoluis@sapo.pt

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A Geração do Sonho!

A geração do sonho
A profusa oferta de ensino superior – mais marcante desde o advento das universidades privadas – tem vindo a colocar os estudantes, actuais e futuros, perante um dilema de extrema importância, prolongando muitas das angústias herdadas do ensino secundário.
«Que escolhas devo fazer?» «Quais são as minhas aptidões e os meus desejos?» «Será que tenho notas de acesso aos cursos que pretendo?» «Que meios económicos indispensáveis tenho?» (sim, porque isto de estudar custa dinheiro…) «Será que vou conseguir?» «Será que vou encontrar colocação após concluir o meu curso?»
A formulação destas questões é obrigatória perante a necessidade de procurar respostas que sosseguem e tranquilizem os espíritos mais inquietos.
Mas será que existem respostas? Ou que, pelo menos, existem respostas razoáveis?
Penso que sim, mas ao mesmo tempo acho que não.
Passo a explicar.
No presente, e muito menos no futuro próximo – aquele que já aí está num horizonte de cinco a dez anos –, a licenciatura não vai constituir um elemento determinante na obtenção de um posto de trabalho, pois o grau de licenciatura, após a implementação dos princípios da convenção de Bolonha, vai perder importância.
Com efeito, a redução dos ‘currícula’ das licenciaturas para três anos, vai colocar a licenciatura – ao contrário do que acontecia até agora – não como um ponto de chegada, mas sim como uma condição de partida para a evolução dos estudos ao longo da vida e das especializações sucessivas.
E este facto muda tudo, pois o problema das escolhas e das aptidões deixa de ser tão decisivo como era até agora.
Além disso, vamos assistir a um processo de complementaridade entre a licenciatura – com três anos – e as pós-graduações executivas, essas sim verdadeiras plataformas intermédias entre o sistema educativo e o mundo do trabalho.
Assumirão mais importância as escolas de negócios especializadas e surgirão outras estruturas – como, por exemplo, universidades corporativas, de base territorial, ou ligadas a empresas e/ ou grupos económicos – que vão garantir a adequação entre a licenciatura, os estudos especializados e as competências individuais.
A auto-formação assumirá um papel determinante e as mudanças de função, profissão, empresa e sector de actividade serão uma constante.
As árvores de conhecimento – estruturas dinâmicas de repositório, comparação e ‘assessment’ de competências –, criadas e desenvolvidas por Michel Authier, serão um instrumento de trabalho partilhado por quase todos.
O que fazemos e a forma como o fazemos será avaliada não pelo nível de habilitações mas pelo valor que acrescentamos a um dado processo ou negócio.
A escola, como estrutura física, localizada, com um corpo docente e um corpo discente, será substituída pela escola em rede partilhada, deslocalizada, em que cada um ensina o que sabe e todos recebem.
As formas de acesso ao conhecimento serão mais rápidas – através de repositórios públicos disponíveis em redes com e sem fios de altíssima velocidade e capacidade – e esse conhecimento pode ser configurado à medida das necessidades, das formas de aquisição e da assimilação de cada um.
O conceito de emprego e de empresa será um conceito volúvel.
Regressaremos à ideia de profissão – no verdadeiro sentido do termo, ou seja, daquele que «acredita e faz» – e as comunidades profissionais transformar-se-ão em estruturas de constituição e formação de conhecimento e saber únicos.
Os projectos profissionais e de vida – continuados, intemporais, quase eternos – não terão razão de existir e serão substituídos por projectos vivenciais, onde o mais importante não será o ter e o ser, mas o viver e o sentir.
As sociedades e os povos – os Estados serão meras entidades jurídicas formais, sem qualquer intervenção na vida do dia-a-dia – deixarão de tutelar e formatar a vida dos indivíduos e preocupar-se-ão com a salvaguarda das condições de sobrevivência física e ambiental, o que tornará as pessoas mais livres e responsáveis.
Por tudo isto – e por aquilo que aqui não está mas será realidade –, mais importante do que procurar respostas «definitivas e concretas» para as questões iniciais formuladas neste artigo, valerá a pena levantar questões interrogativas.
E talvez a questão fundamental seja a de que a licenciatura tende a ser um ‘commodity’ – ou seja, todos têm que a ter, pois ela é básica, essencial.
Mas o mais importante de tudo não é o «e agora?».
O mais importante vem depois.
E o «depois» não será o futuro mas o sonho tornado esperança e realidade, aquele que será construído pela geração do sonho (GS), aquela geração bonita, empenhada, com fé e com esperança que por aí anda a elaborar novos paradigmas e a abrir novos caminhos.

Será a Índia o país do Futuro?

Será a Índia o país do futuro? (crónica de viagem)
Realizou-se em Delhi, no final do mês de Novembro, mais um Congresso Mundial de Recursos Humanos e Formação da IFTDO (International Federation for Training and Development Organizations).
Cerca de mil participantes, um painel de oradores muito representativo das diversas escolas de gestão, uma organização a merecer algumas críticas.
Como não podia deixar de ser – principalmente após termos acolhido aqui em Lisboa o congresso anterior –, Portugal esteve representado através de delegados e de dois membros da Direcção Nacional da Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG) – eu próprio e Vítor Carvalho.
Tive a cargo – juntamente com John Stevens, do CIPD − um 'workshop' sobre «High Performance Work», além de ter sido 'keynote speaker' numa sessão plenária sobre «Corporate Citizenship».
Os membros da Direcção Nacional da APG participaram ainda nas diversas reuniões do Board e dos comités da IFTDO (Vítor Carvalho é membro do Comité de Coordenação de Congressos), tendo eu sido eleito director, para um mandato de dois anos, na respectiva Assembleia Geral.
Assim, a APG é uma das poucas organizações a contar com dois representantes seus nos órgãos dirigentes da IFTDO, o que prestigia os profissionais portugueses de recursos humanos.
O momento alto do congresso foi a sessão de abertura, que contou com a presença de Sua Exa. o Presidente da República da Índia. Numa intervenção vibrante e apaixonada – que os leitores podem encontrar no 'site' respectivo −, contou episódios da sua experiência profissional como cientista, tendo recebido dos participantes aplausos entusiásticos. Deu um contributo fantástico para os trabalhos do congresso, pois criou uma atmosfera propícia ao debate e à troca de experiências pessoais e organizacionais.
Neste tipo de iniciativas, a curiosidade maior reside sempre na tomada contacto com as características do próprio país, tentar perceber diferentes culturas e realizações e, no fundo, estabelecer comparações com as nossas próprias realidades.
A Índia é uma país fascinante. A sua população está quase a alcançar os números da China – dentro de dez anos, a crescer ao ritmo actual, a Índia será o país mais populoso do mundo. Apesar disso, conseguiram garantir a auto-suficiência alimentar (uma tarefa notável), marcam o ritmo em diversas áreas do conhecimento (tem algumas das melhores escolas do mundo de engenharia) e a sua economia cresce a ritmos superiores a 6% ao ano.
Todavia, tem dos mais baixos salários do mundo, índices de pobreza elevados, problemas no abastecimento de água, situações ambientais fora de controlo.
Digamos que é um país que se encontra numa encruzilhada: ou abranda o crescimento e desenvolve os padrões, ou continua a crescer agravando os problemas existentes. No fundo, é um problema que afecta muitas outras nações do globo e que constitui hoje um desafio recorrente mesmo para países com níveis de desenvolvimento assinaláveis. Portanto, por aí, não está em circunstâncias muito diferentes.
Mas o que realmente surpreende na Índia é a política educacional e formativa. Hoje, é o país da Ásia com maior taxa de formação de licenciados – em escolas e universidades de muito boa qualidade –, sendo um «exportador» clássico de licenciados para as economias europeias e, nomeadamente, para a norte-americana.
Durante o congresso, foi notável a participação dos estudantes universitários, intervindo nos debates, aproximando-se dos oradores, criando a sua própria 'network' de relações.
Mas essa política educacional tem que ser agora complementada com o reconhecimento salarial respectivo, pois os baixos salários dos licenciados já começa a criar problemas de recrutamento de novos alunos. Muitos jovens já não querem ir para a universidade e estabelecem-se com negócio próprio, pois o salário expectável não compensa o esforço nem o tempo necessário à obtenção de uma licenciatura.
Mas, apesar de todos estes problemas, acho que a Índia será o país do futuro, na Ásia, se conseguir ligar às conquistas económicas a melhoria das condições sociais e ambientais. O facto de ser a maior democracia representativa do mundo é uma garantia acrescida, apesar de subsistirem problemas de relacionamento com os vizinhos do Norte (o Paquistão), aparentemente numa fase de degelo.
Se calhar, é tempo de olharmos para a Índia com outros olhos e reatarmos laços de maior proximidade, aproveitando algumas heranças históricas que partilhamos.
'Swaget'!

Léxico da Gestão!

O léxico da gestão portuguesa
Uma das maiores dificuldades da gestão em Portugal, é a ausência de um léxico de entendimento comum (LEC), entendido como aquele conjunto de palavras próprias de um conjunto mais ou menos organizado de pessoas que têm uma actividade idêntica.
Encontramos LECs próprios nos médicos, nos pilotos de aeronaves, nos oleiros, nos serralheiros, nos adolescentes e até nas crianças.
E na gestão, haverá algum LEC particular?
Já repararam que quando dois gestores se encontram conseguem dizer coisas completamente diferentes estando a falar do mesmo assunto? E que quando um tenta enaltecer as qualidades da nova solução encontrada o outro responde sempre que já faz aquilo, no mínimo, há dez anos, e que, portanto, não existe nada de inovador?
Tudo isso acontece porque não existe um verdadeiro LEC. Não existe um léxico de entendimento comum para as actividades gestionárias, algo que ajude a facilitar a comunicação e que, acima de tudo, contribua para diminuir o consumo de tempo de reunião utilizado para explicar o significado das palavras («não foi isso que eu disse»; «não foi isso que eu quis dizer»; «lá estás tu a armar confusão com as palavras»; «vamos é ver se nos entendemos»).
Como cidadão, destinatário activo dos resultados dessas dificuldades, entendo ser meu dever dar um contributo para a criação do primeiro «Léxico de Entendimento Comum Português da Gestão», o «LECPG v.1.0», ou seja, a primeira versão. Trata-se de um LEC aberto, mas não para se começarem a abanar – perceberam?, «leque aberto»… Bom, adiante. O «LECPG v.1.0» estará disponível a partir de hoje nas páginas desta revista e nele todos podem colaborar. Basta, para isso, enviarem as vossas definições – claras e objectivas – para o autor habitual desta crónica.
No sentido de facilitar o trabalho – e também para colocar a fasquia bem alta em termos de qualidade, até porque é bom que não sejamos modestos –, deixo a seguir os primeiros contributos.
*
«Léxico de Entendimento Comum Português da Gestão»
«LECPG v.1.0»
01. Gestão por objectivos – conjunto de mentiras bem elaborado que serve para fingir que a gestão não é feita ao acaso.
02. ‘Software’ para a gestão do conhecimento – uma espécie de «Office», que transforma dados em informação que ninguém percebe.
03. Chefia intermédia – antigo contínuo que continua a fazer chegar papéis abaixo e acima.
04. Sistema de Avaliação do Desempenho – forma estruturada de promover a mediocridade relativa.
05. Promoção automática – forma de progressão que nasceu da impossibilidade de se saber se a pessoa trabalha ou não.
06. Satisfação do cliente – processo através do qual é possível evitar que as reclamações cheguem ao seu destino.
07. Formação profissional – sistema que permite combater a motivação natural das pessoas.
08. Salário mensal (ou vencimento) – a prestação que se paga ao Modelo Continente, ao Carrefour e à Caixa Geral de Depósitos e que nunca acaba.
09. Director-geral – frequentador assíduo dos melhores restaurantes e cliente habitual dos «menus degustação» (aqueles que demoram três horas a servir).
10. Assembleia de accionistas – saco de gatos, anónimos, que tentam não comer o «Friskas» todo de uma só vez.
11. Consultor da administração – BMW com um gajo de fato cinzento metido lá dentro.
12. Director de ‘marketing’ – a pessoa que não sabe o preço dos produtos porque nunca os comprou.
13. Adjunto do director de ‘marketing’ – um paquete com algum grau de sofisticação na forma de vestir.
14. director financeiro – um contabilista frustrado, cujo maior desejo era ser caixa de um banco.
15. Vendedor – carteiro especializado na entrega de correspondência ao domicílio.
16. Técnico de higiene e salubridade – uma espécie de mulher-a-dias letrada.
*
Cumprida esta primeira etapa do meu dever cívico, aguardo que os leitores também cumpram o seu, ou seja, que me enviem outras definições.
Desta forma, todos estaremos a contribuir para a melhoria de nível da gestão em Portugal, através da criação do seu léxico próprio e específico.
A partir de agora não existem mais razões para que uma reunião de trabalho dure mais do que uma hora.
Vamos esperar para ver.

Sekola e Melaka

Sekola e melaka

Existe um portugalinho na Malásia. Chama-se Melaka – em malay, a língua nacional da Malásia, língua que utiliza o alfabeto romano.
Come-se bacalhau – em pastéis ou cozido com batatas – dança-se ao som de músicas tradicionais – o malhão, o corridinho - venera-se Nossa Senhora de Fátima, reza-se nas igrejas católicas e tudo isto num país que tem o Corão como bíblia de estado.
Os portugueses são recordados com muita simpatia em Melaka (Malaca), ao contrário de outros colonizadores cruéis, como os japoneses.
E, segundo dizem alguns, os portugueses deixaram por estas paragens a maior herança que um povo pode deixar a outro: o conceito de escola (sekola).
Trazida pelos padres jesuítas, criada para formar marinheiros que lessem cartas e ajudassem a navegar as costas asiáticas, não se sabe ao certo. Mas parece que foi de Melaka que o conceito – e a pronúncia – de escola irradiou por todos os reinos malaios hoje agrupados na Malásia moderna.
E se calhar foi essa tradição arreigada nas almas e nos corações que levou Mahatir Moahmad, ex-primeiro ministro, a decretar que o investimento na educação – ou como ele gosta de dizer, na “aquisição de conhecimento”, atingisse 25% do orçamento do estado malaio. Sim, 25% do orçamento do estado malaio é investido na educação e na formação.
Por isso, a Malásia distingue-se por ter o melhor capital humano dos países da Ásia e por isso também a Malásia – seguindo um modelo contrário ao preconizado pelo FMI – atingiu patamares de desenvolvimento económico e social absolutamente fantásticos em menos de trinta anos.
O que terá a tal escola de Melaka, fundada pelos jesuítas, a ver com isto?
Se calhar tudo, provavelmente, nada.
Passo a explicar.
A iniciativa descobridora dos portugueses, por razões decerto não filantrópicas mas reais e concretas, levou à criação de uma escola, com todo o sentido que a escola tem: alunos, mestres, aquisição de saberes e conhecimento, ferramentas, método, estrutura, realizações, rituais, concretizações.
Esse espírito de escola – pois a escola é acima de tudo um estado de alma – provou a sua eficácia e foi difundido e espalhado por outros reinos.
Essa difusão conduziu á consciência da importância da aquisição de conhecimento.
A aquisição contínua de conhecimento levou ao desenvolvimento.
Mas a ideia de escola ficou. E, a ser verdade tudo o que antecede, à colonização do sul de Portugal por Al-Andaluz, respondemos com a criação de uma escola em Malaca que se espalhou, que frutificou, que se desenvolveu. Mas que ainda se chama “sekola”, como nos primórdios.
E que hoje também se chama universidade – o espaço do conhecimento universal.
E que hoje também se deveria chamar proximidade apesar da distância.
Da escola de Malaca à “sekola” moderna, um percurso que, apesar de tão distantes fizemos juntos, portugueses e malaios.
E que devíamos retomar sob pena de deixarmos a história rescrever-se e afundarmos no esquecimento tudo aquilo que já partilhámos e construímos e que está registado nos anais dos sentimentos.
Quando visitei a Universidade Tecnológica Mara – no passado mês de Agosto de 2006 – uma universidade que tem cerca de 150.000 alunos, que ensina somente em inglês e que tem uma Faculdade de Gestão Cultural com 10.000 alunos, imaginei-me na “sekola” de Melaka, junto ao mar, cinco séculos antes.
E não vi grandes diferenças entre uma e outra.
Não sei se foram os meus olhos, o meu coração ou a minha alma que se confundiram, mas a escola era a mesma.
E vi Portugal e vi portugueses, isso afirmo categóricamente.

As Mulheres!

As mulheres
Eu gosto das mulheres, e é por isso não suporto aquela expressão tipicamente masculina do «gosto de mulheres».
Gostar de mulheres significa uma forma de afirmação heterossexual – o contrário seria gostar de homens –, com tudo o que isso implica de carga sexual e de pretensa afirmação da masculinidade.
Gostar das mulheres é outra coisa completamente diferente.
É gostar das suas especificidades – por vezes, incompreensíveis para a forma de pensar dos homens – e das suas excentricidades, da sua forma de se entregarem à vida, ao belo, ao amor.
Gostar das mulheres é tentar percebê-las, aceitá-las; é admirar o seu espírito de sacrifício e de entrega, a sua inteligência emotiva.
Gostar das mulheres é também gostar de trabalhar com elas e para elas, aceitando e estimulando a sua forma de liderar e de gerir.
Gostar das mulheres é muitas vezes aceitar, resignado, por incapacidade, a sua intuição.
É entender a forma como gerem as relações humanas, como mantêm as famílias unidas, como se relacionam entre elas e com os homens.
É admirar o seu espírito de sacrifício, a sua dedicação, a sua generosidade.
É tentar perceber a sua inata capacidade de multi-tarefa simultânea, da qual tenho uma secreta inveja.
Gostar das mulheres é também admirar a sua sexualidade tão ligada aos sentimentos mais profundos e, não raras vezes, aos instintos mais primários.
É apreciar a sua beleza física – uma mulher tem sempre algo de belo para ser apreciado – e a sua permanente preocupação com essa mesma beleza.
Aprecio ainda mais aquelas mulheres que, sem abdicarem um segundo que seja das suas características de afirmação e de independência, continuam a prezar a sua feminilidade, o seu prazer e o seu orgulho em serem mulheres.
É por tudo isto que gosto das mulheres e não tolero a expressão «gosto de mulheres».
Mas gosto das mulheres ainda por uma outra razão.
A sua energia…
Muita admiração causa a energia das mulheres. Elas suportam cargas de trabalho violentíssimas e têm tempo para tudo: tratam dos filhos e dos maridos, limpam a casa, levam as crianças à escola, ajudam-nas na educação, trabalham dentro e fora de casa, almoçam com as amigas e com os amigos, levam uma vida sexual activa e, mesmo quando parecem completamente esgotadas, um dia de sol renova-lhes totalmente as forças e a energia.
Parece que têm uma capacidade de renovação energética, de carácter telúrico – o efeito do Sol, da Lua – que as faz reviver e rejuvenescer quase que por milagre.
A essa energia chama uma amiga minha, numa das mais belas frases que ouvi nos últimos tempos, «a energia vital da criação».
Acredito nisso mesmo, que essa força descomunal das mulheres advém de um reservatório energético ligado à capacidade de dar vida à própria vida.
E se dar vida à vida é intrínseco à natureza feminina, gostar das mulheres será a melhor forma de apreciar e respeitar a vida.
É por isso que eu gosto das mulheres.

A Inteligência

A inteligência
Especializada, espacial, emocional, matemática, tridimensional ou simplesmente simples, a inteligência é, claramente, um estado camaleónico, tão diversas são as formas que pode assumir.
Além de propriedades do ser (ser inteligente), também tem propriedades do ter (aquela pessoa tem inteligência).
A inteligência é assim uma das poucas virtudes – será? – humanas que assume em simultâneo propriedades do ter e do ser.
Mas o que é a inteligência? Um dom? Algo inato? Uma capacidade que se desenvolve com o tempo?
Uma equipa de investigadores da Universidade de Harvard, liderada pelo psicólogo Howard Gardner, propõe que se fale de inteligências – no plural – e identifica sete tipos diferentes e complementares de inteligência. A saber:
- lógico-matemática – capacidade de analisar problemas, operações matemáticas e questões científicas (matemáticos, engenheiros, cientistas);
- linguística – sensibilidade para a língua escrita e falada (oradores, escritores, poetas);
- espacial – capacidade de compreender o mundo visual de modo minucioso (arquitectos, desenhistas, escultores);
- musical – habilidade para tocar, compor e apreciar padrões musicais (músicos, compositores, dançarinos);
- físico-cinestésica – potencial de usar o corpo para a dança e o desporto (mímicos, dançarinos, desportistas);
- intrapessoal – capacidade de se conhecer (escritores, psicoterapeutas);
- interpessoal – habilidade de entender as intenções, as motivações e os desejos dos outros (políticos, religiosos, professores).
Nos últimos tempos, a equipa de investigadores agrupou as duas últimas como inteligências pessoais e sugeriu mais duas categorias:
- naturalista – capacidade de reconhecer e classificar espécies da natureza;
- existencial – preocupação com questões fundamentais da existência.
Nesta acepção, teríamos pois, actualmente e para a equipa citada, oito categorias de inteligência. Todavia, se juntarmos a inteligência emocional sugerida por Daniel Goleman, estaremos então a falar de nove tipos de inteligência.
No fundo, a busca do entendimento sobre o que é a inteligência tem conduzido a uma categorização das suas diversas formas, ou melhor, das suas diferentes «revelações».
Mas será que é possível revelar apenas uma das formas de inteligência? Para demonstrarmos uma inteligência «regular», «média», de quantos tipos de inteligência precisamos?
Estas são as questões que a ciência ainda remete – e muito bem – para o domínio do senso-comum; ou seja, em função das circunstâncias e perante cada momento concreto, a ciência deixa ao critério pessoal arbitrário encontrar uma resposta. Trata-se, no fundo, da maior homenagem que a ciência pode fazer à inteligência.
Apesar disso, e perante uma categorização tão exaustiva, não deveremos procurar encontrar uma definição de inteligência que nos ajude a perceber melhor do que é que estamos a falar? No fundo, uma definição não nos ajudaria a saber identificar quando estamos perante uma das tais categorias da inteligência?
Se olharmos bem para as definições – lá está, cada categoria tem uma definição –, podemos talvez partir em busca de uma definição mais global. Considerando cada uma delas, seria mais ou menos assim. Inteligência é… «a capacidade mental de observar, recolher e analisar informação, de perceber e entender o mundo, de raciocinar, planear, resolver problemas complexos, pensar de forma abstracta, aprender rápido e aprender com a experiência, entender-se a si próprio e entender os outros, saber sentir e manifestar sentimentos, construir conceitos de si próprio e dos outros».(1)
Esta definição – como todas as definições – tem por função ajudar a perceber, de forma condensada, fenómenos e situações com alguma complexidade, mas acima de tudo ajudar a que cada um aplique a definição à sua situação concreta e tente perceber como é que a sua inteligência se manifesta e quais as dimensões que estão presentes de forma perceptível pelos outros e pelo próprio. Ou seja, esta definição vai ajudar as leitoras e os leitores a procurarem resposta para a eterna dúvida: «serei eu inteligente?»

(1)Definição livre do autor desta crónica.

Os Rituais e os Ritos

Os rituais e os ritos
Diz-se que as sociedades actuais são sociedades dessacralizadas, ou seja, que deixaram de prestar culto ao sagrado, que deixaram de sacralizar os seus momentos e acontecimentos, que perderam a capacidade de ver para além da matéria. E o sagrado não é somente o religioso. O sagrado é tudo aquilo que respeitamos como norma de conduta valorativa e que, por ser valorativa, pretendemos disseminar e replicar. O sagrado é, pois, uma espécie de conduta sem fim onde, numa continuidade energética, armazenamos princípios, valores, crenças e a fé. Onde armazenamos tudo aquilo que para nós «é sagrado».
As sociedades contemporâneas são sociedades onde o espírito – entendido como expressão concentrada do aparentemente inexplicável e invisível – foi relegado para um plano menor. Como se, de repente, num momento histórico que passou num ápice (umas poucas dezenas de anos) o «humano» passasse a ser só matéria e tivesse perdido a sua dimensão espiritual.
Se calhar é por isso que, diz-se também, estamos em crise de valores, pois estes são mais percebidos na dimensão espiritual do que nas dimensões materiais. Num instante, passámos do sagrado enquanto dimensão social para um sagrado quase marginal, professado às escondidas, não confessado, praticado em locais não identificados. Ou seja, dessacralizámos a maior parte das práticas sociais. E essa dessacralização aconteceu, acima de tudo, porque abandonámos os rituais e esquecemos os ritos.
Os rituais sacralizam, consagram algo para a eternidade, conferindo-lhe uma dimensão sagrada; e os ritos – como normas e padrões dos rituais – permitem distinguir percursos de sacralização e afirmam um dado caminho distintivo. Um rito diferente num mesmo ritual pode significar quase uma outra veneração.
***
Tenho verificado que esta dessacralização das práticas sociais – por vezes em nome de uma qualquer democratização – fragmentou ainda mais as sociedades. De uma sociedade dividida por classes passámos a uma sociedade dividida por camadas sobrepostas, onde cada camada tem os seus rituais, usa os seus ritos, mas onde não existem rituais e ritos comuns que solidifiquem os laços sociais, agreguem, agrupem.
No caminho, perdemos os rituais dos grupos profissionais, das profissões, dos ofícios. Os mestres deixaram de ensinar os ritos das profissões e dos ofícios. E os oficiais dos ofícios já não sabem que ritos utilizar nem onde se realizam os rituais – nem como.
Precisamos pois de voltar a escrever e a descrever ritos, para reconquistarmos rituais; para assim sacralizarmos as nossas crenças, os nossos valores e os nossos mesteres. A história, as tradições, os usos, os costumes, o ser, o fazer, o dar, o retribuir, o distinguir, o ornamentar, o simbolizar, tudo são elementos essenciais que devemos incorporar nesses ritos. Com orgulho e com respeito pela tradição e pela memória, pois a memória e a tradição são elementos do futuro e não do passado.
Quando conseguirmos voltar a integrar os rituais, praticando os nossos ritos, vamos saber mais sobre nós próprios, vamos conhecer melhor os outros e, acima de tudo, vamos conseguir construir melhor o (nosso) sagrado.

A Complexidade

A complexidade
Texto: Luís Bento*
As sociedades modernas estão em crise, ponto.
Não porque alguma catástrofe natural tenha ocorrido, mas porque os dirigentes das nações e dos países assim escolheram.
Privilegiaram o crescimento económico em detrimento do desenvolvimento integrado, esqueceram as dimensões humanas e sociais, exportaram para os países mais pobres todas as tecnologias que perturbavam o ambiente, desequilibraram modos de ser e de viver ancestrais, não respeitaram equilíbrios humanos e sociais fundamentais.
Digamos que as crises actuais – petrolífera, económica, financeira, social – emanam dessas estratégias temporais e egoístas, não constituindo, de forma alguma, uma surpresa.
Paralelamente, vivemos uma época histórica fantástica, onde o domínio das tecnologias e dos processos de fabrico é tal que detemos todas as ferramentas e todos os meios necessários para invertermos a situação.
Mas por que razão tal não acontece?
Será por falta de sensibilidade em relação aos problemas? Não creio que seja isso.
As sociedades modernas embrenharam-se em modelos políticos, de trabalho e de relação baseados no simbólico, por um lado, e por outro na casuística quase pura, onde os factos, os números, deixaram de contar histórias de vida e passaram a constituir uma quase inevitabilidade de acção. Quer dizer que nas sociedades modernas a acção – política, governativa, económica – é determinada cada vez mais por argumentos quantitativos, muito mais do que por argumentos qualitativos.
Os resultados estão à vista.
Os chamados paradoxos modernos são isto mesmo. Por um lado, a existência de capacidade e de meios para resolver os problemas; e por outro a adopção de modelos de relação e de trabalho entre governos que favorece a manutenção do ‘status quo’.
É aquilo a que alguns pensadores chamam «uma época de contrastes gritantes» e que outros apelidam de «oportunidade perdida». Acho que uns e outros têm razão.
A constatação de que estes paradoxos modernos exigem uma inovação radical nos modos de fazer política e de fazer acontecer economia cria nos povos a ideia de que os políticos não resolvem os problemas apenas porque não querem, na medida em que, sabendo do diagnóstico, conhecendo as medidas a tomar, persistem num modo de actuação que, no fundo, é «mais do mesmo».
Podem encontrar-se aqui as razões estruturais que prefiguram um certo divórcio entre as pessoas e a política diária, divórcio esse que se traduz, por parte das pessoas, numa mera atitude de resistência quando sentem os seus direitos e/ ou privilégios ameaçados, e por parte dos políticos numa acção onde o diálogo com as pessoas está ausente, porque entendem que têm um mandato popular e democrático através do voto (logo, podem decidir o que entendem, sem ouvirem as pessoas); é como se o voto fosse uma procuração com plenos poderes, válida para todo o mandato dos governos ou dos autarcas.
Isto acontece por toda a Europa e um pouco por todo o mundo, não é só em Portugal.
O que importa é questionarmo-nos permanentemente sobre este quase virar de costas entre as expectativas dos cidadãos e dos povos e a ‘praxis’ política dos governos, e encontrar novas formas de relação, pois se não o fizermos vamos continuar a estar sempre contra as decisões – sejam elas quais forem – e os governos vão sempre entender que têm o mandato popular para continuarem a fazer as mesmas coisas, da mesma maneira.
Urge encontrar um caminho de bom-senso, que evite os disparates, os dislates e as reacções negativas, um caminho que possibilite resolver, atempadamente, os problemas reais e concretos com que nos defrontamos, partindo do humano para o tecnológico, do simples para o difícil, do possível para o desejável.
As sociedades estão a tornar-se mais complexas; essa complexidade tem a ver com variáveis sociais rapidamente mutáveis, variáveis ambientais também rapidamente mutáveis e variáveis económicas também elas rapidamente mutáveis.
Esta complexidade exige outro tipo de respostas, respostas diferentes daquelas que sempre foram as respostas utilizadas.
É uma complexidade que resulta do facto de termos que equacionar muitas variáveis e todas elas estarem a mudar constantemente, na maioria dos casos para direcções inesperadas.
Não confundir, porém, «complexidade» com «complicação», pois esta última, apesar de constituir uma espécie de desporto nacional por cá, obstaculiza o desenvolvimento e provoca uma inércia quase total, ao passo que a complexidade, porque coloca permanentemente novos desafios, estimula a «energia da construção», ou seja, empurra as pessoas a fazerem acontecer as coisas que são essenciais às mudança na sua vida.
As sociedades – sejam elas quais forem –, porque são, antes de tudo, sistemas humanos, precisam dessa energia da construção, e de quem a estimule, pois constitui um dos caminhos possíveis para a felicidade colectiva.

A Felicidade!

A felicidade
Por Luís Bento*
A estrada da tua felicidade não parte das pessoas e das coisas para chegar a ti; parte sempre de ti em direcção aos outros.
Michel Quoist

A busca da felicidade é um processo eterno. Existe desde que existe humanidade, e existirá até que a humanidade seja capaz de preservar a sua existência, independentemente do local onde isso aconteça.
A busca de felicidade é um processo eterno porque é um processo humano e, tal como todos os outros processos humanos, é um processo contraditório, conflituoso, não-linear.
Muitos dizem que a felicidade – enquanto estado permanente – não existe, existindo sim «momentos de felicidade».
Outros dizem que «são felizes», como que permanecendo na felicidade durante um período de tempo quase infinito, sem mutações, sem variações, sem infelicidade enquanto «não-felicidade».
A maior parte, ao mesmo tempo que diz «não ser feliz», está conformada com a sua «não-felicidade, bastas vezes sem conseguirem vislumbrar se nesse «não-ser feliz» não estarão escondidos muitos momentos de felicidade.
Alguns, os peregrinos, não se precocupam em «ser» felizes(1), mas procuram – procuram sempre – de forma incansável algo que consideram inatingível. A sua realização não está em encontrar, mas em procurar; não está no ser, mas no «ir sendo»; não está na felicidade – enquanto estado que se alcança e do qual não se sai –, mas na fruição do momento, na vivência da liberdade de sair da felicidade sempre que quiserem.
Os peregrinos, porque têm uma enorme capacidade de sentir todos os sentidos e todas as emoções, relativizam o encontrar, quase o desdenham. Para eles, sentir e viver é mais importante do que alcançar. Desejar é mais importante do que ter. E possuir é a negação do desfrutar.
Portanto, alcançar um estado de felicidade ao menos uma vez na vida só está ao alcance dos peregrinos, pois todos os outros querem a felicidade para a possuírem e não para desfrutarem da magia dos momentos, das emoções, das sensações.
Este processo de percorrer os caminhos da procura dos momentos felizes não é, de forma alguma, um processo solitário, pois essa busca é feita com os outros, através dos outros e ajudando os outros. Nesta medida, a busca dos momentos felizes é um processo colectivista, pois quantos mais percorrerem esse caminho, maiores são as probabilidades de alguns sentirem aquele momento único de alquimia e de amor, onde as emoções fecundam os sentimentos ao mesmo tempo que a alma se revela. Como se fosse um milagre.
Fazer acreditar que existe uma felicidade – enquanto estado permanente – é, pois, um verdadeiro atentado que paralisa todo o processo de descoberta da vida.
Tentar levar alguém a procurar a felicidade dentro de si próprio, sem os outros, é a negação da realização pessoal.
Ajudar a que cada um, com os outros e através dos outros, faça a peregrinação da busca é, talvez, o maior feito a que cada um de nós pode almejar.
A felicidade é, por isso, uma estrada. Uma estrada cheia de encruzilhadas e que não tem uma direcção definida, uma estrada flexível que cada um adapta à sua direcção, ao seu norte. E o norte de cada um pode ser o desnorte, ou seja, o «não-norte», pode ser uma direcção qualquer, em qualquer momento, por uma qualquer estrada, em qualquer lugar.
Mas uma estrada para ser percorrida sempre na direcção dos outros e com os outros, sem solidão e sem inquietude, com alegria, com partilha, com festa.

Este nosso jeito de ser português!

Em 1950, realizou-se em Washington, o I Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros.
O Prof. Jorge Dias, português, Antropólogo, segundo muitos o único verdadeiro Antropólogo que até hoje tivemos, apresentou uma Comunicação intitulada “Os elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”.
É um documento notável, pela simplicidade e lucidez da análise, bem como pelo rigor da pesquisa efectuada e o a-propósito dos comentários á margem.
Num acto de grande humildade, começa o Prof. Jorge Dias por afirmar que, devido ao estado actual (em 1950) dos conhecimentos, não era possível desenvolver satisfatoriamente o tema, afirmando que, estabelecer os elementos fundamentais de uma cultura, é o fim máximo a que a antropologia cultural (ou etnologia) se propõe.
É, afirma na sua comunicação, “…a cúpula de um edifício que ainda está nos alicerces”.

Num momento de “crise identitária”, para alguns, de negação dos nossos valores, para outros e de diluição das culturas nacionais nesse grande caldeirão europeu, para muitos outros, nada como um regresso ás origens para estimular a reflexão, procurar caminhos e, quem sabe, promover o reencontro de cada um consigo próprio.

Quem corre o país e os países de forte emigração portuguesa, e se interroga sobre as diferentes formas de ser e estar que os portugueses revelam, sente, de forma muito clara, as diferentes influências e origens que formaram e continuam a formar este nosso jeito de ser.
Capacidade de improvisação – ou melhor, de desenrascanço, visto que o improviso, muitas, vezes, dá trabalho a preparar – medo do ridículo, sentido gregário, capacidade de adaptação a novas situações, afabilidade para com estranhos, capacidade notável de comunicação, expansividade, são características que, no conjunto, formam aquilo a que se pode chamar a “personalidade base” do povo português, esteja ele onde estiver.
Muitas outras características podiam aqui ser apontadas, mas já não seriam características gerais. Seriam sim, características típicas da cultura de uma dada região, pois, por vezes, numa atitude simplista, temos tendência a considerar como gerais, características que só se encontram em espaços geográficos perfeitamente localizados.
E, no plano cultural, Portugal é, claramente, um país assimétrico, plural, com grandes variações de região para região, correspondendo, grosso modo, ás origens étnicas e rácicas – celtas, iberos, romanos, mouros, berberes, etc. . – e também ás influências – galegas, andaluzas, germânicas, inglesas – que, ao longo da nossa história, foram moldando este nosso jeito de ser, que hoje devemos assumir com orgulho.
Porque é distintivo, porque é único, porque é nosso.
Nós somos assim, pronto!


Existe, concerteza, uma forma de ser, nacional, ou seja, que está acima de todas as diferenças e assimetrias que podemos encontrar. Está consubstanciada naquilo a que chamei atrás a nossa “personalidade-base”. (Encontram-se, porém, grandes variações, consoante estamos em Portugal, ou no estrangeiro. Dentro do País não nos valorizamos suficientemente – nem o que é nosso – mas, quando fora das fronteiras, erguemos a bandeirinha portuguesa do orgulho e o que antes era mau, passa a ser óptimo) .
Mas essa forma de ser nacional, ia dizendo - e recorro ao trabalho já citado - tem como elo de ligação histórico, o mar, o litoral. Mas, durante muito tempo, confundiu-se esse elo com o todo e, de certa forma, não se respeitaram as diferenças culturais regionais e locais.
Numa União Europeia que avança galopante, só podemos ser cidadãos europeus se formos, em primeiro lugar, cidadãos da nossa região e, depois, cidadãos do nosso país. A identidade europeia terá que ter, também, uma “personalidade-base”, generalista, deixando espaço de afirmação da diferença e da diversidade. É essa, no fundo, a grande riqueza da Europa.
A “homogeneidade cultural permanente”, como lhe chama o Prof. Jorge Dias, apesar de constituir, verdadeiramente, o núcleo central do sentimento de pertença, não pode absorver, aniquilando, as culturas e as formas de ser, regionais, antes deve estimular a afirmação dos diversos jeitos de ser, das diversas formas, dos diferentes feitios.
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Mas vejamos, de uma forma um pouco mais desenvolvida, o que é, em linhas gerais, este nosso jeito de ser, numa interpretação muito pessoal e com algumas achegas da obra atrás referida.
Tentarei definir, quanto ás características-base, o que “é” o cidadão português. Assim,
O português é …

Um misto de sonhador e de Homem de acção, ou seja, um sonhador activo com sentido prático e realista. Alimenta-se do sonho, porque é mais idealista, emotivo e imaginativo do que homem de reflexão.
Despreza o interesse mesquinho e o utilitarismo puro, mas, paradoxalmente, cultiva o gosto pela ostentação e pelo luxo.
É profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco.
Não gosta de fazer sofrer e evita os conflitos, mas, ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel.
Possui forte crença no milagre e nas soluções milagrosas, mesmo sabendo que elas não vão acontecer.
Sem perder o seu carácter, adapta-se facilmente a novas ideias, coisas e seres.
Tem um vivo sentido telúrico e um fundo contemplativo e poético em relação á natureza.
É um pouco inibido, por vezes, devido ao grande medo da opinião alheia e de cair no ridículo.
Apesar de fortemente individualista, possui um fundo de solidariedade humana, notável.
Não tem grande sentido de humor, mas revela uma ironia e um espírito trocista por vezes tocante.
Tem um sentido exagerado da crítica e emite juízos por tudo e por nada.
É fatalista, poético e aventureiro, expressando a contradição desses sentimentos através da saudade e da inquietude.
Tem enormes qualidades de abnegação, sacrifício e coragem.
Não sabe viver sem sonho e sem glória, ambicionando sempre poder ser herói de qualquer coisa.

O que antecede, não pretende ser uma definição de grande sentido científico, antes se enquadra numa visão muito prática, muito cheia de senso-comum, daquilo que uns têm chamado a alma portuguesa e outros, talvez mais eruditos, a “personalidade do povo português”.
Apesar disso,. não deixa de ser um bom instrumento de reflexão.
É este o nosso jeito de ser, a nossa forma, o nosso feitio.
Vamos aprender a gostar de ser assim!

Os 14 Segredos de Mourinho

Muito se tem dito e escrito sobre José Mourinho enquanto treinador de futebol!
Primeiras páginas de jornais prestigiados – desportivos e generalistas – enchem-se de parangonas sobre os “fait divers” da vida de Mourinho, das declarações de Mourinho, das opções de Mourinho.
Mas o que, de facto, torna José Mourinho um treinador de futebol de eleição?
Apesar das análises constantes dos livros que, sobre si, encheram os escaparates das livrarias, parece-me que, no fundamental, pouco ainda se disse sobre o que, de facto, torna José Mourinho tão especial.
Vejamos algumas características únicas:
a) É um treinador que, no início da época, entrega aos jogadores um DVD com toda a informação sobre o respectivo papel individual e colectivo, a metodologia de treino que têm de seguir, os papéis que têm que desempenhar na equipa, o que a equipa e o treinador esperam do jogador, bem como uma análise global dos objectivos específicos que o jogador tem que atingir para justificar ser uma opção para o treinador. Informa os jogadores do contexto específico em que vão realizar o seu trabalho;

b) Informa-se detalhadamente sobre cada jogador das equipas adversárias, suas características físicas e técnicas, estatísticas de produtividade, experiência, estrutura emocional. Transforma dados em informação e informação em Inteligência Futebolística (IF);

c) Define com rigor os papéis de cada elemento da equipa técnica e do Departamento de futebol que recebem uma Job Description detalhada, contendo e definindo todas as responsabilidades individuais e todas as interacções que cada um deve estabelecer no quadro da equipa. Define os papéis de cada um.

d) Optimiza todos os factores do treino e do jogo. Não deixa qualquer probabilidade ao acaso. As suas decisões sobre o treino e sobre o jogo, reflectem imensas horas de estudo prévio. Prepara alternativas para todos os imprevistos que possam ocorrer, mesmo aqueles que nunca podem acontecer... mas acontecem! Preparação estratégica de acordo com a metodologia prospectiva (teoria dos cenários) ;

e) Apesar dos aspectos científicos, vê o futebol e o jogo em particular, como um choque de emoções. Revela uma Inteligência emocional acima da média e usa-a para despertar emoções nos seus jogadores e nas equipas adversárias. Não cedeu á visão matemática do jogo. São seres emocionais que são geridos de forma emocional. Dramatiza as situações como ninguém;

f) Durante o jogo, vê o essencial, ou seja, se a estratégia que preparou está a ter o efeito previsível sobre o adversário. Controla o efeito estratégico;

g) Os pequenos detalhes durante o jogo, foram todos preparados de antemão. Nada acontece por acaso. Ao contrário do que se diz, não é teimoso, pois se verifica que as coisas não estão a funcionar como planeado, avança com o “plano B” ou com o “plano C”. Demonstra coragem no momento de escolher opções;

h) Dialoga permanentemente com os jogadores, mais a nível individual que colectivo. Assim que detecta quais os pontos fortes do jogador, explora-os na sua plenitude e não se preocupa com os eventuais pontos fracos. Usa o potencial de cada um;

i) Não admite faltas de responsabilização por parte dos jogadores. Se um jogador se desrespeita a si próprio, não cumprindo os objectivos a que se propôs e dessa forma prejudica a equipa, chama-o á atenção em frente dos colegas. Trabalha em equipa e como equipa;

j) Não tem apenas um curso de treinador e uma licenciatura. Durante cerca de dez anos adquiriu competências em todos os domínios, ou seja, aprendeu a saber-fazer. E fê-lo, com humildade, ao pé dos Mestres;

k) Preparou devidamente toda a sua ascensão ao topo e quando lá chegou, já conhecia as estratégias de comunicação que deveria desenvolver. Mas fê-lo com um cunho pessoal, não copiou ninguém. Revelou identidade;

l) E porque vivemos no mundo do simbólico, soube usar isso em seu favor como ninguém. Criou uma imagem distintiva e trabalha para a manter. Demonstra o que acha que deve demonstrar e não deixa de ser quem é. Apesar da exposição preserva a sua intimidade e a sua vida familiar;

m) E enquanto muitos procuram imitá-lo ele já está a pensar como pode optimizar o seu próprio rendimento e o rendimento dos que o rodeiam;

n) Usa a estrutura organizativa como factor de enquadramento e de responsabilização humana. O modelo organizativo não existe por si mesmo. Tem uma função específica de superação das fragilidades humanas;

Se repararem nos sublinhados, temos;

- modelo organizativo
- rendimento
- imagem distintiva
- competências
- trabalho em equipa
- utilização do potencial individual
- coragem
- controlo da estratégia
- dramatização
- identidade
- inteligência futebolística
- definição dos papéis individuais
- definição do contexto
- estratégia prospectiva.

O segredo de José Mourinho não é conhecer estas dimensões da gestão de pessoas e recursos, muito embora sejam raros os treinadores de futebol que as saibam entender. O segredo de José Mourinho é optimizar cada dimensão da gestão de uma forma integrada e sem vacilações, fazendo-o com a profunda convicção de quem sabe que trabalhou muito e que anda deixou ao acaso.

Não se admire o leitor se, num qualquer livro de gestão, encontrar por aí estas recomendações para quem está ao leme de uma empresa, pois, na verdade, o futebol, é a verdadeira essência do significado da expressão “empresa”: conjunto de pessoas que se propuseram atingir algo em conjunto.
Nunca falei com José Mourinho nem sei sequer se ele vai ler este pequeno artigo. Mas tenho a certeza que, se o fizer, vai fazer um enorme sorriso e sentir-se reconhecido. “Até que enfim que alguém compreende o que ando a fazer”, dirá!
E se tal acontecer eu sorrirei também!