Todos somos sensíveis a alguma coisa. Ao prazer, à dor, às crianças, aos idosos, ao justo, ao injusto, ao correcto, ao incorrecto, às lágrimas, à beleza.
É a nossa inteligência emocional.
Sentimos para conhecer e conhecemos para perceber e entender.
É o processo oposto de todas aquelas elucubrações que só se passam no domínio do intelecto. Pensamos, pensamos, voltamos a pensar, mas na maior parte dos casos sem qualquer reacção do sistema emocional e sensitivo. Acabamos por não entender nada, pois falta um elemento essencial: o sentir.
O processo de sentir – complexo e maravilhoso – não é um processo de canal único.
As diferentes formas de energia – magnética, eléctrica – nos seus diversos estados – frio, calor – a luz, as formas dos objectos que nos rodeiam, os cheiros, o tacto, o medo, são veículos que nos podem despertar emoções e sensações (estas podem transformar-se nas outras e vice-versa).
Todavia, ao longo dos anos, se nos distrairmos, podemos ir perdendo essa maravilhosa capacidade de sentir e de expressarmos esses sentimentos.
Muita gente, traumatizada por vidas duras e difíceis, quase perdeu a capacidade de se escutar, de sentir o seu coração e o seu corpo.
Outros, educados na repressão emocional – mais feroz, muitas vezes, do que a repressão física e policial – não conseguiram ainda libertar-se e vivem num estado de autêntica clausura emocional.
Outros ainda, tolhidos pelo medo de expressarem as suas emoções, convencem-se de que não são capazes de sentir e ignoram todos os sinais.
Modernamente, uma classe tecno-política (verdadeiros tecnocratas da política) emergente, é completamente incapaz de expressar emoções perante o sofrimento alheio. Reduz tudo a estudos e a análises económico-financeiras, cobrindo-se com o manto (não) diáfano do poder.
São os novos iletrados emocionais:
· Conseguem dizer que são sensíveis ao problema e nada fazer.
· Conseguem olhar com distanciamento o sofrimento alheio.
· Conseguem persistir em ideias do passado quando aí vem o futuro.
· Conseguem esconder-se dentro de uma redoma protectora.
· Conseguem viver não vivendo e não deixando os outros viver.
Estes novos iletrados emocionais – que pululam por aqui e por ali – reconhecem-se facilmente não por aquilo que fazem mas, acima de tudo, pelo que não fazem, autoproclamando-se proprietários da razão e os outros – os que sofrem, os que vivem com imensas dificuldades, os que não têm que comer – são sempre referidos como tendo dificuldades de entendimento e de análise das circunstâncias.
E até já se chegou ao cúmulo de classificar os dados sobre a pobreza e sobre as desigualdades na distribuição do rendimento em Portugal como “empiricamente falsos”.
Ou seja, tudo serve, tudo é utilizado para justificar a insensibilidade perante as dificuldades actuais das pessoas e das famílias.
É como se o país pudesse viver a dois níveis completamente antagónicos. O dinheiro para construir um novo aeroporto e uma rede de comboios de alta velocidade é um investimento e o país tem – ou pode obter – os recursos financeiros necessários.
Mas erradicar a pobreza, distribuir a riqueza gerada no país de forma mais equitativa, não é possível, porque o país (o mesmo do parágrafo anterior) não tem meios para tal.
Devemo-nos sentir mais orgulhos de ter um novo aeroporto ou de as pessoas terem os meios necessários para uma vida digna?
Devemos ter mais orgulho em ser uma sociedade justa e solidária na distribuição dos rendimentos ou em ter um TGV?
São estas as novas interrogações geradas pela iliteracia emocional.
E esta, levada ao extremo, transforma-se numa verdadeira insensibilidade!
Quem perde a sensibilidade às questões do justo e do injusto, do certo e do errado, do bem e do mal, perde toda a ética.
E quem perde a ética perde também a moral!
ocorreiodoluis@sapo.pt
terça-feira, 17 de junho de 2008
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