terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A Complexidade

A complexidade
Texto: Luís Bento*
As sociedades modernas estão em crise, ponto.
Não porque alguma catástrofe natural tenha ocorrido, mas porque os dirigentes das nações e dos países assim escolheram.
Privilegiaram o crescimento económico em detrimento do desenvolvimento integrado, esqueceram as dimensões humanas e sociais, exportaram para os países mais pobres todas as tecnologias que perturbavam o ambiente, desequilibraram modos de ser e de viver ancestrais, não respeitaram equilíbrios humanos e sociais fundamentais.
Digamos que as crises actuais – petrolífera, económica, financeira, social – emanam dessas estratégias temporais e egoístas, não constituindo, de forma alguma, uma surpresa.
Paralelamente, vivemos uma época histórica fantástica, onde o domínio das tecnologias e dos processos de fabrico é tal que detemos todas as ferramentas e todos os meios necessários para invertermos a situação.
Mas por que razão tal não acontece?
Será por falta de sensibilidade em relação aos problemas? Não creio que seja isso.
As sociedades modernas embrenharam-se em modelos políticos, de trabalho e de relação baseados no simbólico, por um lado, e por outro na casuística quase pura, onde os factos, os números, deixaram de contar histórias de vida e passaram a constituir uma quase inevitabilidade de acção. Quer dizer que nas sociedades modernas a acção – política, governativa, económica – é determinada cada vez mais por argumentos quantitativos, muito mais do que por argumentos qualitativos.
Os resultados estão à vista.
Os chamados paradoxos modernos são isto mesmo. Por um lado, a existência de capacidade e de meios para resolver os problemas; e por outro a adopção de modelos de relação e de trabalho entre governos que favorece a manutenção do ‘status quo’.
É aquilo a que alguns pensadores chamam «uma época de contrastes gritantes» e que outros apelidam de «oportunidade perdida». Acho que uns e outros têm razão.
A constatação de que estes paradoxos modernos exigem uma inovação radical nos modos de fazer política e de fazer acontecer economia cria nos povos a ideia de que os políticos não resolvem os problemas apenas porque não querem, na medida em que, sabendo do diagnóstico, conhecendo as medidas a tomar, persistem num modo de actuação que, no fundo, é «mais do mesmo».
Podem encontrar-se aqui as razões estruturais que prefiguram um certo divórcio entre as pessoas e a política diária, divórcio esse que se traduz, por parte das pessoas, numa mera atitude de resistência quando sentem os seus direitos e/ ou privilégios ameaçados, e por parte dos políticos numa acção onde o diálogo com as pessoas está ausente, porque entendem que têm um mandato popular e democrático através do voto (logo, podem decidir o que entendem, sem ouvirem as pessoas); é como se o voto fosse uma procuração com plenos poderes, válida para todo o mandato dos governos ou dos autarcas.
Isto acontece por toda a Europa e um pouco por todo o mundo, não é só em Portugal.
O que importa é questionarmo-nos permanentemente sobre este quase virar de costas entre as expectativas dos cidadãos e dos povos e a ‘praxis’ política dos governos, e encontrar novas formas de relação, pois se não o fizermos vamos continuar a estar sempre contra as decisões – sejam elas quais forem – e os governos vão sempre entender que têm o mandato popular para continuarem a fazer as mesmas coisas, da mesma maneira.
Urge encontrar um caminho de bom-senso, que evite os disparates, os dislates e as reacções negativas, um caminho que possibilite resolver, atempadamente, os problemas reais e concretos com que nos defrontamos, partindo do humano para o tecnológico, do simples para o difícil, do possível para o desejável.
As sociedades estão a tornar-se mais complexas; essa complexidade tem a ver com variáveis sociais rapidamente mutáveis, variáveis ambientais também rapidamente mutáveis e variáveis económicas também elas rapidamente mutáveis.
Esta complexidade exige outro tipo de respostas, respostas diferentes daquelas que sempre foram as respostas utilizadas.
É uma complexidade que resulta do facto de termos que equacionar muitas variáveis e todas elas estarem a mudar constantemente, na maioria dos casos para direcções inesperadas.
Não confundir, porém, «complexidade» com «complicação», pois esta última, apesar de constituir uma espécie de desporto nacional por cá, obstaculiza o desenvolvimento e provoca uma inércia quase total, ao passo que a complexidade, porque coloca permanentemente novos desafios, estimula a «energia da construção», ou seja, empurra as pessoas a fazerem acontecer as coisas que são essenciais às mudança na sua vida.
As sociedades – sejam elas quais forem –, porque são, antes de tudo, sistemas humanos, precisam dessa energia da construção, e de quem a estimule, pois constitui um dos caminhos possíveis para a felicidade colectiva.

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