quinta-feira, 31 de julho de 2008

Um Jarro de Limonada!

            O mar estava ali perto, constante, todos os dias, inundando com aquele odor ácido e saboroso a iodo e a sal, as nossas almas e os nossos corações infantis.

            Ao longe, por cima dos muros de tijolo e cimento que rodeavam a quinta, nos dias agrestes de inverno, víamos os cordeirinhos das ondas, muito brancos, no pico da curvatura, parecendo novelos de lã a desdobrarem-se continuamente na direcção da praia.

            O mar, ao bater nas rochas e nos baixios, invadia de sons graves e profundos, a nossa imaginação.

            Ficávamos cheios de medo, encolhidos, sem nos mexermos, a ouvir aquele barulho.

            Estávamos sentados no castelo, ao fundo da Quinta, um castelo que o meu avô construíra, com infinita paciência e sabedoria, nos poucos intervalos da sua labuta diária, para os miúdos brincarem.

Era um castelo a sério, feito de tijolo maciço e coberto a argamassa, com ameias, vigias e uma larga porta, estilo gótico, encimada por uma figura heráldica que nunca entendi. Provavelmente, algum símbolo celta que o meu avô trouxera, na sua alma generosa, das minas galegas, lá para os lados de Pontevedra, ou apenas uma inspiração de momento ao sabor dos movimentos da colher de pedreiro e daqueles olhos astutos e ternos.

            O castelo era o nosso refúgio, após as aulas, na escola primária oficial, onde o Senhor Almeida era o temor.

 

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            O senhor Almeida, o mestre-escola, era uma daquelas figuras terríficas, cinzentas, malvadas, que punha toda a criançada em pânico quando pegava na longa cana-da-índia, ou na menina-dos-sete-olhos, como lhe chamava, uma régua de madeira grossa, castanha, polida de tanto se esfregar nas nossas mãos húmidas de medo e de ansiedade.

            Quando estávamos nas aulas do Senhor Almeida, olhando o quadro preto de ardósia, só pensávamos no nosso castelo, nos índios, nos cowboys, nas pistolas, e nos cuidados a ter com o Sô Joaquim – assim se chamava o meu avô – pois, caso pisássemos as flores ou estragássemos a horta, tínhamos o Sô Joaquim a correr atrás de nós com uma sachola, ou uma enxada, sempre á procura dos nossos rabos, onde nunca acertava, mas fazia-nos correr toda a Quinta a fugir daquela tareia que nós sabíamos que nunca aconteceria. Era o nosso jogo.

O Sô Joaquim nunca era capaz de nos bater mas que nos fazia correr desalmadamente, lá isso era verdade.

            O nosso castelo, situado ao fundo da Quinta, junto ao muro grande que a separava de outra, essa sim ,virada de frente para o mar, era muito cobiçado e vulnerável, pois os miúdos da quinta vizinha atacavam de repente, vestidos de índios e armados com canas, arcos e setas, aos gritos, atemorizando a minha avó e as minhas tias.

            Devo confessar que a primeira preocupação da minha avó ao ouvir aqueles gritos estridentes da horda de índios, e depois de barafustar modestamente, era ir a correr preparar o lanche para os meninos, pois depois da brincadeira, deviam estar cheios de fome.

            Arranjava uns papo-secos com muita manteiga, marmelada, leite e, se fosse no Verão, um largo jarro de vidro com limonada, aromatizada com uma folha de laranjeira acabadinha de apanhar.

Enquanto os índios e os cowboys se guerreavam, já na expectativa do lanche da VÓ ‘Estreia – a minha avó tinha um nome raro, Austreia, com origem no Redondo, e simbolizando talvez, o pôr-do-sol por detrás da serra de Ossa, perto da fábrica dos pirolitos, aqueles pirolitos que faziam de berlindes e que entretiam jogatinas que mais não precisavam do que três pequenas covas na terra, para se realizarem autênticos campeonatos do pequeno mundo em que vivíamos – enquanto os índios e os cowboys se guerreavam, dizia, a Odília, a cozinheira, carregava largos troços de madeira para o fogão, mais um balde de briquetes da arrecadação que ficava por baixo da grande janela da cozinha, de onde saíam uns odores cada vez mais desenhados e permanentes, fazendo antever os deliciosos pitéus que preparava para o jantar.

 

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            Aquelas guerras com os vizinhos da Quinta ao lado, virada para o mar, no castelo feito pelo meu avô, eram verdadeiras batalhas infantis, onde tinha sempre que haver um vencedor. Um dia os índios, outro os cowboys. Não podia acontecer ganharem os mesmos dois dias seguidos, pois isso iria tirar brilho ao esforço equivalente que os dois grupos, com rapazes e raparigas, desenvolviam. Talvez já fosse um embrião da alternância em democracia, sentida como inevitável naqueles longínquos tempos de 50.

            As memórias da II Grande Guerra Mundial ainda estavam muito presentes. Comíamos, por vezes, comida em lata, de origem americana – o rostbeef – que havia sido armazenada pelo dono da quinta onde o meu avô era o caseiro de confiança, para fazer face ao racionamento.

            Ouvíamos contar muitas histórias da falta de açúcar, da falta de carne, da falta de azeite e de óleo, da falta de manteiga, das senhas de racionamento, mas a minha avó fazia sempre questão de dizer, no final das conversas, que nós tínhamos sido uns privilegiados, pois nada nos faltara devido ao açambarcamento feito, durante anos, pelo patrão do meu avô, que sempre doara, semanalmente, durante a guerra, um saco de arroz aos pobres.

            São desses tempos as recomendações para nunca se deixar comida no prato.

 

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Todas as manhãs, por volta das nove horas, soava o sino que havia junto ao portão de ferro e que servia de campainha.

Era a peixeira, naquele tempo chamada varina, com um grande cabaz de vime á cabeça, cheio de peixe, acabadinha de chegar, a pé, da praia de Cascais, com peixe fresco.

- Ó menina Estreia, veja esta sardinha! Olhe para estas guelras encarnadinhas, ainda cheias de sangue. É só a 5$00 o quarteirão! ( neste tempos, o quarteirão era, a par da dúzia, a unidade de medida para o peixe. Um quarteirão correspondia a 25 unidades, mas mandavam as regras que se acrescentasse sempre mais cinco unidades que “eram para o gato”).

A minha avó deitava a mão ao cabaz, mexia, remexia, olhava, cheirava, até se certificar que o peixe era de facto fresco e a sardinha não estava moída.

Fazia contas de cabeça, e dizia:

- Ó menina Rosa, dê-me dois quarteirões. Ponha aqui neste alguidar, mas, veja lá, não quero sardinhas moídas!

A senhora Rosa, mandava para o fundo do alguidar uma mão-cheia de sal grosso e, com imenso cuidado, ia ajeitando as sardinhas, uma a uma, lado a lado, em camadas perfeitas, para que apanhassem o sal por igual. A minha avó, enquanto rebuscava nos bolsos do avental de chita á procura das moedas para pagar o peixe, já pensava no que iria fazer para o almoço.

            Amanhã era Sábado, dia em que vinham os patrões, chegavam de Lisboa, de carro – um “DeSotto”, negro, muito grande - logo a seguir ao almoço, pelo que a minha avó recomendou á Senhora Rosa para não se esquecer de trazer, amanhã de manhã, dois gorazes e um pargo, os peixes preferidos do patrão-velho, o patriarca da família, que lambia os beiços por uma cabeça de goraz, cozida, acompanhada pelos grelos e batatas acabados de apanhar pelo meu avô na horta que ficava junto ao castelo.

 

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O "59"!

Nesses primeiros dias, no contacto com as tarefas rotineiras, destacaram-se logo os mais aptos ao desenrascanço, ou seja, começaram a aparecer aquelas figuras típicas com elevada capacidade de adaptação a todas as circunstâncias, fossem de que natureza fossem.

Um deles era um personagem fabuloso.

Tinha a alcunha do “59” e era oriundo de uma pequena aldeia da Beira Baixa, perto de Castelo Branco, mas vivia em Lisboa desde pequeno.

Começara a trabalhar aos dez anos, num ferro velho de Alcântara, mais propriamente, do Alvito, e aprendera rapidamente toda a malandrice e ratice típicas daquele bairro popular de Lisboa: era, em suma, um verdadeiro “malandro de Alcântara”.

Tinha uma compleição física notável, mas o cérebro já muito afectado por tanto álcool ingerido em pequeno e das bebedeiras constantes em adulto. O seu estado normal era de embriaguez.

Devido ao facto de ser um pouco atrasado de espírito – para não lhe chamar maluco – rapidamente se tornou o bobo da corte. Limpava as latrinas, fazia os trabalhos mais pesados, era capaz de estar duas noites sem dormir e, se fosse aliciado por uma nota de cem escudos, ainda era capaz de fazer o terceiro reforço consecutivo sem um queixume.

Não tinha a mínima noção do que era o perigo, pelo que, quando fazíamos as colunas de viaturas para ir buscar mantimentos, o “59” ia sempre de pé, no Unimog, agarrado á Dreise, uma poderosíssima metralhadora de fita, montada na parte de trás da viatura.

Fazia as maiores maluqueiras, pondo todo o pessoal a rir á gargalhada.

Era uma boa alma, o “59”, e estar ali, rodeado de muita gente, com almoço e jantar á hora certa, com cama a sério, era o que de melhor a vida lhe tinha proporcionado até então.

Toda a gente gostava do “59”, apesar de lhe fazermos as maiores tropelias.

Uma noite, estávamos no quarto de um dos furriéis, a ouvir música de jazz – Eric Clapton – quando o “59” entrou, a ver se cravava umas cervejas ou uma garrafa de whisky. Já eram duas horas da manhã e um silêncio, só entrecortado pelo barulho dos geradores de electricidade, invadia o aquartelamento.

Porque já estávamos todos um pouco tocados, dissemo-lhe:

- “59”, queres ganhar uma grade de cerveja?

Os olhos brilharam, de imediato.

- Então tens que pegar na G3 e despejar um carregador na parada!

O “59”, fez cara de amuado, e respondeu:

- Para beber a merda de uma grade de cerveja tenho que despejar um carregador? Despejem vocês!

- Tens medo?, perguntámos, em tom de desafio.

- Eu não tenho medo de nada, foca-se!, e saiu disparado.

Não demorou mais de cinco minutos. Começámos a ouvir uma rajada de metralhadora, longa, longa.

Saímos a correr e fomos ver o que estava a acontecer. O “59”, no meio da parada, com a G3 erguida ao alto, gritava “Tenho medo, eu! Tenho medo? Tomem lá o medo”.

De repente, toda a companhia estava de pé, acordada por aquele alvoroço, de armas em punho, procurando o “inimigo” que disparava rajadas de metralhadora ás duas horas da manhã.

Quando acabou de esvaziar o carregador, o amigo “59” dirige-se ao nosso grupo e, com uma enorme calma e um maior desplante, diz:

- Então onde é que está a merda da grade de cerveja? Vai já toda de uma assentada!

O resto do pessoal, ao ouvir o “59” imediatamente percebeu quem tinham sido os autores da marosca e dirigiram-nos toda a espécie de impropérios. “filhos da puta, a gozarem com o maluco”, “sacanas, a acordarem um gajo ás duas da manhã!”, “amanhã estão fodidos comigo”, etc., etc.

Escusado será dizer que o “59” foi de cana e apanhou cinco dias de detenção. Levámo-lhe a grade de cerveja prometida, bem como uma grande pedra de gelo para refrescar as “nocais” e o cantineiro ia levar-lhe as refeições á prisão improvisada nos fundos da oficina de carpintaria. Foi uma experiência fantástica para o “59” que nunca tinha tido, tal como a maioria de nós, qualquer período de férias, na vida. Gostou, habituou-se, sentiu-se importante, e, ao longo de dois anos, raro era o mês em que o “59” não apanhava cindo ou dez dias de detenção.

Quando o criticávamos, respondia-nos:

- Eu é que sou maluco não é? ’tou na prisa descansado, a beber umas bojecas, e vocês é que andam a dar o coiro. E eu é que sou maluco, não é?

 

 

terça-feira, 17 de junho de 2008

O Modelo do Avião

Lembra-se da adrenalina a subir – ou do medo – quando o avião começa a descer e se prepara para aterrar? Quando se ouvem aqueles barulhos esquisitos e começamos a pensar que se passa alguma coisa de errado?
As mãos estão suadas e ajeitamos o corpo na cadeira ao mesmo tempo que olhamos pela janela, não vá o diabo tecê-las.
Faz-se um silêncio enorme na cabina e toda a gente está hirta e tensa. Entretanto, o que é que acontece no «cockpit» do avião? Mais ou menos o seguinte, que o espaço da crónica não dá para grandes devaneios:
«Flaps one», diz o PIC-Pilot in Comand depois de verificar que o avião está estabilizado por cima do «localizer». O PNF-Pilot not Flying acciona a alavanca que faz com que os flaps do avião se estendam um grau. Começam a ouvir-se os motores dos «flaps» e é visível a quem viaja por cima da asa a movimentação dos mesmos.
«Gear Down», diz o PIC. Novamente o PNF acciona a alavanca respectiva e os trens de aterragem do avião começam a tomar a posição devida. Ouvem-se os estalidos característicos da abertura dos alçapões e do estiramento dos trens de aterragem dianteiro e do nariz.
Mais ou menos em simultâneo com estas instruções, que só se iniciam após a «check-list» do «setup» de aterragem ter sido verificada , o PIC reduz a velocidade do avião para os valores que lhe foram dados pelo computador de bordo , equacionando as variáveis de vento, peso e condições da pista. Dá novas ordens de extensão dos «flaps» – Flaps 15, Flaps 30, e, nalguns casos, Flaps 40.
Configura-se o sistema automático de travagem de acordo com as características do avião e as limitações impostas por aquele aeroporto específico.
Ao longe já se vê uma fina tira de alcatrão, a pista de aterragem, completamente alinhada com o nariz do aparelho. Até que o avião toque com as rodas no solo, sucedem-se, de forma muito rápida, todas as operações que visam proporcionar aos passageiros uma aterragem em segurança, dentro dos limites operacionais do avião, das condições atmosféricas e do estado e características da pista.
Se esses limites estiverem para além do que é estabelecido pela companhia que detém o avião, ou se o PIC considerar que não existem condições de prosseguir a aproximação final – devido, nomeadamente, a uma alteração brusca das condições existentes – aborta a aterragem e segue para os aeroportos alternantes – estão sempre previstos dois – cujas coordenadas já estão inseridas no plano de voo desde a partida.
Objectivo: não colocar em risco os passageiros, o avião e a segurança de terceiros.
Apesar desta breve e incompleta descrição do que são os preparativos para a aterragem de um avião comercial , perguntam os leitores: O que é que os modelos de gestão das empresas têm que ver com os aviões?
Aparentemente, nada!
Do ponto de vista dos modelos de organização e gestão, tudo, pois o avião constitui o mais simples e eficaz modelo de gestão que existe, como irei demonstrar de seguida.
Para comprazer o meu amigo Carlos Perdigão, o avião constitui o mais «óbvio, prático e concreto» modelo de gestão conhecido, e todos sabemos a necessidade que as empresas têm de voltar a encontrar os caminhos da simplicidade e do senso comum.
Vejamos então, em detalhe e na óptica dos modelos de organização e gestão – pois não posso ignorar que sou Consultor de Gestão – o que se passa no avião:
a) foi construído para a função que desempenha, ou seja, tem o «layout» totalmente adequado no plano da forma e da tecnologia. Não tem mais nem menos do que necessita para cumprir a sua função. Tudo está optimizado;
b) tem um rumo que é conhecido «a priori». Sabe de onde parte e para onde vai. Reúne todas as informações sobre o percurso a percorrer e prepara antecipadamente alternativas caso as coisas não corram de acordo com o inicialmente previsto. Para o conseguir, consulta múltiplas fontes de informação e consolida-a em função do seu objectivo. A sua rota é sempre feita por etapas ;
c) a autoridade está perfeitamente definida. Independentemente das hierarquias funcionais, sabe-se sempre quem manda, inclusivé, o nome. Quem manda exerce de forma clara e perceptível essa autoridade;
d) existe uma proximidade total com os clientes. Sabem-se as suas necessidades e tenta-se satisfazê-las de imediato. Tudo está organizado para que o cliente sinta que não foi defraudado com o produto ou serviço que comprou;
e) as componentes estratégicas e operacionais estão devidamente separadas, não existindo o risco de quem tem responsabilidades estratégicas não as exercer, por não ter as competências devidas. Todos foram treinados de forma exaustiva para exercerem as suas funções;
f) o controlo de execução das tarefas que a cada um competem, é total, não existindo qualquer possibilidade de não serem exercidas. O controlo é parte integrante do modelo de organização e gestão;
g) o que não corre bem é devidamente registado para que possa ser corrigido, dentro de uma filosofia de que um incidente ocorrido uma vez não mais poderá repetir-se tendo as mesmas causas;
h) a comunicação entre todos os sectores é permanente;
i) o elemento lúdico está sempre presente;
j) todos têm uma reciclagem permanente das competências. Se não as exercerem por um determinado período de tempo, são impedidos de trabalhar, até que as readquiram novamente. Utilizam-se simuladores das situações reais para efectuar o treino;
k) os serviços de suporte estão totalmente ao serviço do negócio;
l) periodicamente, o avião é revisto para se verificar se continua em condições de cumprir a sua função, mesmo que esteja tudo a correr bem;
m) existe uma optimização total de recursos, não se consumindo mais do que os que são estritamente necessários. A optimização é permanente;
n) o avião tem um período de vida útil, após o que é substituído;
o) para se trabalhar no avião tem que se gostar e conhecer, pois a dureza da vida a bordo não se compadece com uma atitude meramente mercenária.
Já imaginaram os leitores o que seria se todas as nossas empresas adoptassem o Modelo do Avião, ou seja, o PMM – Plane Management Model? (chamo-lhe assim para criar «escola», pois inventei a sigla e o modelo foi aparecendo durante o meu trabalho como consultor em empresas aeronáuticas e através das conversas com o meu parceiro destas lides, o Jorge Marques, também ele cronista regular deste espaço)
Teríamos, decerto, empresas mais eficientes, mais orientadas para o negócio e os clientes, com lideranças claras exercidas por líderes competentes e treinados, que não desperdiçariam recursos, optimizadas, seguras, que tinham sempre alternativas previstas quando as coisas não corressem bem, que procediam a uma verificação/reverificação permanente dos seus métodos e processos, que treinavam os seus colaboradores de forma permanente e que usavam de forma eficaz a informação.
Será um sonho? Será uma antecipação do futuro?
Os leitores mais cépticos, perguntarão, será que funciona?
O Eng.º. Fernando Pinto, da TAP, tem vindo a demonstrar que sim, que é possível fazê-lo, pois não se pode ignorar um modelo que tem dado excelentes provas em todo o mundo e durante mais de cinquenta anos.
Afinal, andamos todos à procura do modelo de organização e gestão ideal para as empresas e já viajámos nele tantas vezes.
Porque não pensar nisto a sério?
A próxima vez que andar de avião observe com atenção tudo o que acabei de descrever.
Se calhar vai encontrar respostas para questões que o andam a preocupar. E já agora, quando olhar para o céu e vir um avião, imagine que a sua empresa também pode despertar aquele sentimento de contemplação e de sonho. Aplique o modelo do avião, ou se preferir uma designação mais sofisticada, o PMM – Plane Management Model.
Afinal, o melhor da vida são as coisas simples, práticas e concretas, não são?

Medo e Compromisso

Num quadro de instabilidade crescente – nomeadamente económica e social – com uma precarização dos relacionamentos – laborais, afectivos, grupais – que lugares poderão encontrar para o compromisso (“commitment”), para aquele sentimento de dedicação profunda, de envolvimento, de alegria?
Esta é hoje uma questão recorrente.
Preocupa as famílias e, acima de tudo, as empresas.
Como e de que forma é possível pedir a alguém que se comprometa – com um projecto, com uma ideia, com os colegas, com o líder – quando as pessoas vivem num quadro onde o medo – gerado pela precarização dos relacionamentos – assume um papel predominante?
Sim, as pessoas andam com medo.
Medo de perder a família, medo de não poderem continuar a manter o mesmo estilo de vida, medo de perder a(o)s companheira(o)s, medo da insegurança, medo de perder o emprego ou o trabalho – ainda, e sobretudo, se precário. E este medo é interclassista. Afecta os que têm muito e os que pouco ou nada mantêm. Todos partilham, em forma diferentemente doseadas é evidente, o medo.
E sobre esta problemática, encontramos diversos posicionamentos.
Para uns, deve evitar-se ter medo (como se isso fosse possível e aconselhável), para outros, devemos aprender a geri-lo e, para outros ainda – para não me resumir a uma visão bipolar tão comum nos dias de hoje – devemos ultrapassar o medo, ou seja, deixar de senti-lo.
Ora, o medo é um sentimento essencial à sobrevivência da espécie humana. Sem o medo, já as nações se teriam destruído pela via nuclear e cada um de nós, caso esse cataclismo não ocorresse, dificilmente sobreviveríamos sem o medo. Saltaríamos de uma alta montanha, atravessávamos a auto-estrada a passo de caracol e não combateríamos o ridículo.
E como sentimento humano e ainda por cima necessário à sobrevivência, ainda bem que temos medo. Todavia, o quadro de instabilidade e de insegurança atrás referido, tem trazido um novo tipo de medo – antinatural – que é um medo patológico (doentio). Já não é sentir medo, mas ter medo, de forma quase permanente, bloqueadora, que castra a própria vida.
E é esta forma sofredora de ter medo que impede o estabelecimento do compromisso no sentido positivo.
Quando uma empresa ameaça permanentemente os seus trabalhadores da possibilidade de encerramento ou de rescisão do seu contrato a termo certo, chamando a atenção do trabalhador dos efeitos que a perda do salário pode ter na sua vida, mais não faz do que apelar ao ter medo e gera, com isso, uma atitude de compromisso sim, com esse mesmo medo quase irracional e não com qualquer projecto ou ideia. Nestes casos é completamente hipócrita falar do tão conhecido chavão do “vestir a camisola”, pois “vestir a camisola” (a não ser que ofereçam tshirts) neste contexto é completamente impossível. O trabalhador pode fazer uma representação social mais ou menos convincente de está envolvido com a empresa, mas, de facto, está de um sentimento de quase pavor, que é o mais próximo do ter medo.
O que devem então as empresas fazer para aprender a lidar com esta dicotomia aparentemente inultrapassável de necessitarem de um compromisso por parte dos seus trabalhadores e ao mesmo tempo estes sentirem medo?
Em primeiro lugar, perceberem e entenderem – através do seu discurso, do discurso dos seus dirigentes e da sua prática instrumental – que gerar medo não vai conduzir ao compromisso. Gerar medo nos trabalhadores assume forma de manipulação dos sentimentos e, por essa via, só vão provocar o ter medo!
A resposta dos trabalhadores será uma representação dos seus papéis sociais orientada para aquilo que a empresa diz que espera deles, mas sem que se estabeleça verdadeiro compromisso.
Já é suficiente sentir medo. Ninguém precisa que lhe façam ter medo!

Génese

Será que, de facto, todas as coisas têm principio, meio e fim?
Ou esta sequência harmoniosa, previsível, constitui uma simplificação - talvez excessiva - de todos os processos naturais, físicos e humanos?
O principio das coisas - do universo, dos objectos, da vida - é mesmo um momento determinado, ou vai acontecendo, lentamente, sem que tenhamos consciência da sua existência?
Esta questão - a génese - é hoje uma questão essencial á compreensão de nós próprios, do mundo, da existência do universo. Temos andado obcecados pela ideia de que as coisas, as pessoas, têm principio, meio e fim. (Se calhar porque não suportamos nem conseguimos entender a existência do nada, do vazio absoluto, da ausência simultânea de espaço e de tempo).
Será mesmo assim?
Por exemplo: eu nasci quando adquiri capacidade de respirar de forma autónoma? Quando ocorreu a fecundação do óvulo da minha mãe? Ou comecei a nascer quando ocorreram as condições que permitiram á minha mãe e ao meu pai serem férteis? Ou ainda, nasci quando os meus ascendente foram bem sucedidos nas sua procriação ao longo de gerações?
Acabamos quando? Quando o nosso corpo deixa de funcionar? Ou quando o nosso espírito – ou alma, provavelmente são a mesma coisa – abandona a matéria e começa a vaguear eternamente pelo espaço infinito? Sim, porque se somos seres emocionais a viver uma experiência humana, alguma coisa etérea, alguma forma de energia terá que ficar, pois as partículas de energia não devem desaparecer com o término do funcionamento corporal!
E se tempos principio, meio e fim, o que será o meio? A meia-idade, a meia-vida ou a meia existência?
Não sei bem o que será o meio da vida. Das coisas, se for possível cortá-las ao meio é mais fácil, mas o meio da vida não consigo vislumbrá-lo.
Confesso que estas questões da Génese, da origem, do finito e do infinito, do espírito e da matéria, sempre me inquietaram. E sei que não estou só! Muitos mais seres pensantes têm a mesma sede de se interrogarem, de tentarem compreender.
Não deposito grande esperança nesse desiderato – compreender!
Acho que vale mais a interrogação e a inquietação do que propriamente a resposta.
Se “soubesse” – assim, literalmente, tudo deixava de fazer sentido.
É preferível, nos tempos que correm, remeter para Deus a data de partida e as razões da viagem e sempre que aparecem escolhos no caminho, devolver ao divino a não-resposta.
Talvez tenha descoberto a minha génese!

Isto tudo para dizer que, de facto, a obrigatoriedade das coisas e das pessoas terem principio, meio e fim, torna a existência aparentemente mais simples, mas também aborrecida. Se tudo nasce, vive e morre, ficamos com a maior parte das interrogações que deviam ser existenciais aparentemente resolvidas.
Mas, no fundo, não resolvemos nada, antes criámos uma espécie de metáfora mais ou menos evidente para esconder a nossa preguiça de reflexão e de interrogação.
E, assim, não caminhamos na busca do conhecimento, ficamos parados, passivos, estáticos, aceitando como terminado aquilo que se calhar ainda não começou, e tomando como tendo sido iniciado aquilo que já existe á muito. E no meio, provavelmente, não existe nada, só um elo de ligação.
A génese da vida, do universo, das coisas, só se torna importante quando deixamos de as aceitar como elas se oferecem e visionamos o que estava lá e o que está para vir!
Quando sonhamos!