O léxico da gestão portuguesa
Uma das maiores dificuldades da gestão em Portugal, é a ausência de um léxico de entendimento comum (LEC), entendido como aquele conjunto de palavras próprias de um conjunto mais ou menos organizado de pessoas que têm uma actividade idêntica.
Encontramos LECs próprios nos médicos, nos pilotos de aeronaves, nos oleiros, nos serralheiros, nos adolescentes e até nas crianças.
E na gestão, haverá algum LEC particular?
Já repararam que quando dois gestores se encontram conseguem dizer coisas completamente diferentes estando a falar do mesmo assunto? E que quando um tenta enaltecer as qualidades da nova solução encontrada o outro responde sempre que já faz aquilo, no mínimo, há dez anos, e que, portanto, não existe nada de inovador?
Tudo isso acontece porque não existe um verdadeiro LEC. Não existe um léxico de entendimento comum para as actividades gestionárias, algo que ajude a facilitar a comunicação e que, acima de tudo, contribua para diminuir o consumo de tempo de reunião utilizado para explicar o significado das palavras («não foi isso que eu disse»; «não foi isso que eu quis dizer»; «lá estás tu a armar confusão com as palavras»; «vamos é ver se nos entendemos»).
Como cidadão, destinatário activo dos resultados dessas dificuldades, entendo ser meu dever dar um contributo para a criação do primeiro «Léxico de Entendimento Comum Português da Gestão», o «LECPG v.1.0», ou seja, a primeira versão. Trata-se de um LEC aberto, mas não para se começarem a abanar – perceberam?, «leque aberto»… Bom, adiante. O «LECPG v.1.0» estará disponível a partir de hoje nas páginas desta revista e nele todos podem colaborar. Basta, para isso, enviarem as vossas definições – claras e objectivas – para o autor habitual desta crónica.
No sentido de facilitar o trabalho – e também para colocar a fasquia bem alta em termos de qualidade, até porque é bom que não sejamos modestos –, deixo a seguir os primeiros contributos.
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«Léxico de Entendimento Comum Português da Gestão»
«LECPG v.1.0»
01. Gestão por objectivos – conjunto de mentiras bem elaborado que serve para fingir que a gestão não é feita ao acaso.
02. ‘Software’ para a gestão do conhecimento – uma espécie de «Office», que transforma dados em informação que ninguém percebe.
03. Chefia intermédia – antigo contínuo que continua a fazer chegar papéis abaixo e acima.
04. Sistema de Avaliação do Desempenho – forma estruturada de promover a mediocridade relativa.
05. Promoção automática – forma de progressão que nasceu da impossibilidade de se saber se a pessoa trabalha ou não.
06. Satisfação do cliente – processo através do qual é possível evitar que as reclamações cheguem ao seu destino.
07. Formação profissional – sistema que permite combater a motivação natural das pessoas.
08. Salário mensal (ou vencimento) – a prestação que se paga ao Modelo Continente, ao Carrefour e à Caixa Geral de Depósitos e que nunca acaba.
09. Director-geral – frequentador assíduo dos melhores restaurantes e cliente habitual dos «menus degustação» (aqueles que demoram três horas a servir).
10. Assembleia de accionistas – saco de gatos, anónimos, que tentam não comer o «Friskas» todo de uma só vez.
11. Consultor da administração – BMW com um gajo de fato cinzento metido lá dentro.
12. Director de ‘marketing’ – a pessoa que não sabe o preço dos produtos porque nunca os comprou.
13. Adjunto do director de ‘marketing’ – um paquete com algum grau de sofisticação na forma de vestir.
14. director financeiro – um contabilista frustrado, cujo maior desejo era ser caixa de um banco.
15. Vendedor – carteiro especializado na entrega de correspondência ao domicílio.
16. Técnico de higiene e salubridade – uma espécie de mulher-a-dias letrada.
*
Cumprida esta primeira etapa do meu dever cívico, aguardo que os leitores também cumpram o seu, ou seja, que me enviem outras definições.
Desta forma, todos estaremos a contribuir para a melhoria de nível da gestão em Portugal, através da criação do seu léxico próprio e específico.
A partir de agora não existem mais razões para que uma reunião de trabalho dure mais do que uma hora.
Vamos esperar para ver.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
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