terça-feira, 17 de junho de 2008

O Modelo do Avião

Lembra-se da adrenalina a subir – ou do medo – quando o avião começa a descer e se prepara para aterrar? Quando se ouvem aqueles barulhos esquisitos e começamos a pensar que se passa alguma coisa de errado?
As mãos estão suadas e ajeitamos o corpo na cadeira ao mesmo tempo que olhamos pela janela, não vá o diabo tecê-las.
Faz-se um silêncio enorme na cabina e toda a gente está hirta e tensa. Entretanto, o que é que acontece no «cockpit» do avião? Mais ou menos o seguinte, que o espaço da crónica não dá para grandes devaneios:
«Flaps one», diz o PIC-Pilot in Comand depois de verificar que o avião está estabilizado por cima do «localizer». O PNF-Pilot not Flying acciona a alavanca que faz com que os flaps do avião se estendam um grau. Começam a ouvir-se os motores dos «flaps» e é visível a quem viaja por cima da asa a movimentação dos mesmos.
«Gear Down», diz o PIC. Novamente o PNF acciona a alavanca respectiva e os trens de aterragem do avião começam a tomar a posição devida. Ouvem-se os estalidos característicos da abertura dos alçapões e do estiramento dos trens de aterragem dianteiro e do nariz.
Mais ou menos em simultâneo com estas instruções, que só se iniciam após a «check-list» do «setup» de aterragem ter sido verificada , o PIC reduz a velocidade do avião para os valores que lhe foram dados pelo computador de bordo , equacionando as variáveis de vento, peso e condições da pista. Dá novas ordens de extensão dos «flaps» – Flaps 15, Flaps 30, e, nalguns casos, Flaps 40.
Configura-se o sistema automático de travagem de acordo com as características do avião e as limitações impostas por aquele aeroporto específico.
Ao longe já se vê uma fina tira de alcatrão, a pista de aterragem, completamente alinhada com o nariz do aparelho. Até que o avião toque com as rodas no solo, sucedem-se, de forma muito rápida, todas as operações que visam proporcionar aos passageiros uma aterragem em segurança, dentro dos limites operacionais do avião, das condições atmosféricas e do estado e características da pista.
Se esses limites estiverem para além do que é estabelecido pela companhia que detém o avião, ou se o PIC considerar que não existem condições de prosseguir a aproximação final – devido, nomeadamente, a uma alteração brusca das condições existentes – aborta a aterragem e segue para os aeroportos alternantes – estão sempre previstos dois – cujas coordenadas já estão inseridas no plano de voo desde a partida.
Objectivo: não colocar em risco os passageiros, o avião e a segurança de terceiros.
Apesar desta breve e incompleta descrição do que são os preparativos para a aterragem de um avião comercial , perguntam os leitores: O que é que os modelos de gestão das empresas têm que ver com os aviões?
Aparentemente, nada!
Do ponto de vista dos modelos de organização e gestão, tudo, pois o avião constitui o mais simples e eficaz modelo de gestão que existe, como irei demonstrar de seguida.
Para comprazer o meu amigo Carlos Perdigão, o avião constitui o mais «óbvio, prático e concreto» modelo de gestão conhecido, e todos sabemos a necessidade que as empresas têm de voltar a encontrar os caminhos da simplicidade e do senso comum.
Vejamos então, em detalhe e na óptica dos modelos de organização e gestão – pois não posso ignorar que sou Consultor de Gestão – o que se passa no avião:
a) foi construído para a função que desempenha, ou seja, tem o «layout» totalmente adequado no plano da forma e da tecnologia. Não tem mais nem menos do que necessita para cumprir a sua função. Tudo está optimizado;
b) tem um rumo que é conhecido «a priori». Sabe de onde parte e para onde vai. Reúne todas as informações sobre o percurso a percorrer e prepara antecipadamente alternativas caso as coisas não corram de acordo com o inicialmente previsto. Para o conseguir, consulta múltiplas fontes de informação e consolida-a em função do seu objectivo. A sua rota é sempre feita por etapas ;
c) a autoridade está perfeitamente definida. Independentemente das hierarquias funcionais, sabe-se sempre quem manda, inclusivé, o nome. Quem manda exerce de forma clara e perceptível essa autoridade;
d) existe uma proximidade total com os clientes. Sabem-se as suas necessidades e tenta-se satisfazê-las de imediato. Tudo está organizado para que o cliente sinta que não foi defraudado com o produto ou serviço que comprou;
e) as componentes estratégicas e operacionais estão devidamente separadas, não existindo o risco de quem tem responsabilidades estratégicas não as exercer, por não ter as competências devidas. Todos foram treinados de forma exaustiva para exercerem as suas funções;
f) o controlo de execução das tarefas que a cada um competem, é total, não existindo qualquer possibilidade de não serem exercidas. O controlo é parte integrante do modelo de organização e gestão;
g) o que não corre bem é devidamente registado para que possa ser corrigido, dentro de uma filosofia de que um incidente ocorrido uma vez não mais poderá repetir-se tendo as mesmas causas;
h) a comunicação entre todos os sectores é permanente;
i) o elemento lúdico está sempre presente;
j) todos têm uma reciclagem permanente das competências. Se não as exercerem por um determinado período de tempo, são impedidos de trabalhar, até que as readquiram novamente. Utilizam-se simuladores das situações reais para efectuar o treino;
k) os serviços de suporte estão totalmente ao serviço do negócio;
l) periodicamente, o avião é revisto para se verificar se continua em condições de cumprir a sua função, mesmo que esteja tudo a correr bem;
m) existe uma optimização total de recursos, não se consumindo mais do que os que são estritamente necessários. A optimização é permanente;
n) o avião tem um período de vida útil, após o que é substituído;
o) para se trabalhar no avião tem que se gostar e conhecer, pois a dureza da vida a bordo não se compadece com uma atitude meramente mercenária.
Já imaginaram os leitores o que seria se todas as nossas empresas adoptassem o Modelo do Avião, ou seja, o PMM – Plane Management Model? (chamo-lhe assim para criar «escola», pois inventei a sigla e o modelo foi aparecendo durante o meu trabalho como consultor em empresas aeronáuticas e através das conversas com o meu parceiro destas lides, o Jorge Marques, também ele cronista regular deste espaço)
Teríamos, decerto, empresas mais eficientes, mais orientadas para o negócio e os clientes, com lideranças claras exercidas por líderes competentes e treinados, que não desperdiçariam recursos, optimizadas, seguras, que tinham sempre alternativas previstas quando as coisas não corressem bem, que procediam a uma verificação/reverificação permanente dos seus métodos e processos, que treinavam os seus colaboradores de forma permanente e que usavam de forma eficaz a informação.
Será um sonho? Será uma antecipação do futuro?
Os leitores mais cépticos, perguntarão, será que funciona?
O Eng.º. Fernando Pinto, da TAP, tem vindo a demonstrar que sim, que é possível fazê-lo, pois não se pode ignorar um modelo que tem dado excelentes provas em todo o mundo e durante mais de cinquenta anos.
Afinal, andamos todos à procura do modelo de organização e gestão ideal para as empresas e já viajámos nele tantas vezes.
Porque não pensar nisto a sério?
A próxima vez que andar de avião observe com atenção tudo o que acabei de descrever.
Se calhar vai encontrar respostas para questões que o andam a preocupar. E já agora, quando olhar para o céu e vir um avião, imagine que a sua empresa também pode despertar aquele sentimento de contemplação e de sonho. Aplique o modelo do avião, ou se preferir uma designação mais sofisticada, o PMM – Plane Management Model.
Afinal, o melhor da vida são as coisas simples, práticas e concretas, não são?

Medo e Compromisso

Num quadro de instabilidade crescente – nomeadamente económica e social – com uma precarização dos relacionamentos – laborais, afectivos, grupais – que lugares poderão encontrar para o compromisso (“commitment”), para aquele sentimento de dedicação profunda, de envolvimento, de alegria?
Esta é hoje uma questão recorrente.
Preocupa as famílias e, acima de tudo, as empresas.
Como e de que forma é possível pedir a alguém que se comprometa – com um projecto, com uma ideia, com os colegas, com o líder – quando as pessoas vivem num quadro onde o medo – gerado pela precarização dos relacionamentos – assume um papel predominante?
Sim, as pessoas andam com medo.
Medo de perder a família, medo de não poderem continuar a manter o mesmo estilo de vida, medo de perder a(o)s companheira(o)s, medo da insegurança, medo de perder o emprego ou o trabalho – ainda, e sobretudo, se precário. E este medo é interclassista. Afecta os que têm muito e os que pouco ou nada mantêm. Todos partilham, em forma diferentemente doseadas é evidente, o medo.
E sobre esta problemática, encontramos diversos posicionamentos.
Para uns, deve evitar-se ter medo (como se isso fosse possível e aconselhável), para outros, devemos aprender a geri-lo e, para outros ainda – para não me resumir a uma visão bipolar tão comum nos dias de hoje – devemos ultrapassar o medo, ou seja, deixar de senti-lo.
Ora, o medo é um sentimento essencial à sobrevivência da espécie humana. Sem o medo, já as nações se teriam destruído pela via nuclear e cada um de nós, caso esse cataclismo não ocorresse, dificilmente sobreviveríamos sem o medo. Saltaríamos de uma alta montanha, atravessávamos a auto-estrada a passo de caracol e não combateríamos o ridículo.
E como sentimento humano e ainda por cima necessário à sobrevivência, ainda bem que temos medo. Todavia, o quadro de instabilidade e de insegurança atrás referido, tem trazido um novo tipo de medo – antinatural – que é um medo patológico (doentio). Já não é sentir medo, mas ter medo, de forma quase permanente, bloqueadora, que castra a própria vida.
E é esta forma sofredora de ter medo que impede o estabelecimento do compromisso no sentido positivo.
Quando uma empresa ameaça permanentemente os seus trabalhadores da possibilidade de encerramento ou de rescisão do seu contrato a termo certo, chamando a atenção do trabalhador dos efeitos que a perda do salário pode ter na sua vida, mais não faz do que apelar ao ter medo e gera, com isso, uma atitude de compromisso sim, com esse mesmo medo quase irracional e não com qualquer projecto ou ideia. Nestes casos é completamente hipócrita falar do tão conhecido chavão do “vestir a camisola”, pois “vestir a camisola” (a não ser que ofereçam tshirts) neste contexto é completamente impossível. O trabalhador pode fazer uma representação social mais ou menos convincente de está envolvido com a empresa, mas, de facto, está de um sentimento de quase pavor, que é o mais próximo do ter medo.
O que devem então as empresas fazer para aprender a lidar com esta dicotomia aparentemente inultrapassável de necessitarem de um compromisso por parte dos seus trabalhadores e ao mesmo tempo estes sentirem medo?
Em primeiro lugar, perceberem e entenderem – através do seu discurso, do discurso dos seus dirigentes e da sua prática instrumental – que gerar medo não vai conduzir ao compromisso. Gerar medo nos trabalhadores assume forma de manipulação dos sentimentos e, por essa via, só vão provocar o ter medo!
A resposta dos trabalhadores será uma representação dos seus papéis sociais orientada para aquilo que a empresa diz que espera deles, mas sem que se estabeleça verdadeiro compromisso.
Já é suficiente sentir medo. Ninguém precisa que lhe façam ter medo!

Génese

Será que, de facto, todas as coisas têm principio, meio e fim?
Ou esta sequência harmoniosa, previsível, constitui uma simplificação - talvez excessiva - de todos os processos naturais, físicos e humanos?
O principio das coisas - do universo, dos objectos, da vida - é mesmo um momento determinado, ou vai acontecendo, lentamente, sem que tenhamos consciência da sua existência?
Esta questão - a génese - é hoje uma questão essencial á compreensão de nós próprios, do mundo, da existência do universo. Temos andado obcecados pela ideia de que as coisas, as pessoas, têm principio, meio e fim. (Se calhar porque não suportamos nem conseguimos entender a existência do nada, do vazio absoluto, da ausência simultânea de espaço e de tempo).
Será mesmo assim?
Por exemplo: eu nasci quando adquiri capacidade de respirar de forma autónoma? Quando ocorreu a fecundação do óvulo da minha mãe? Ou comecei a nascer quando ocorreram as condições que permitiram á minha mãe e ao meu pai serem férteis? Ou ainda, nasci quando os meus ascendente foram bem sucedidos nas sua procriação ao longo de gerações?
Acabamos quando? Quando o nosso corpo deixa de funcionar? Ou quando o nosso espírito – ou alma, provavelmente são a mesma coisa – abandona a matéria e começa a vaguear eternamente pelo espaço infinito? Sim, porque se somos seres emocionais a viver uma experiência humana, alguma coisa etérea, alguma forma de energia terá que ficar, pois as partículas de energia não devem desaparecer com o término do funcionamento corporal!
E se tempos principio, meio e fim, o que será o meio? A meia-idade, a meia-vida ou a meia existência?
Não sei bem o que será o meio da vida. Das coisas, se for possível cortá-las ao meio é mais fácil, mas o meio da vida não consigo vislumbrá-lo.
Confesso que estas questões da Génese, da origem, do finito e do infinito, do espírito e da matéria, sempre me inquietaram. E sei que não estou só! Muitos mais seres pensantes têm a mesma sede de se interrogarem, de tentarem compreender.
Não deposito grande esperança nesse desiderato – compreender!
Acho que vale mais a interrogação e a inquietação do que propriamente a resposta.
Se “soubesse” – assim, literalmente, tudo deixava de fazer sentido.
É preferível, nos tempos que correm, remeter para Deus a data de partida e as razões da viagem e sempre que aparecem escolhos no caminho, devolver ao divino a não-resposta.
Talvez tenha descoberto a minha génese!

Isto tudo para dizer que, de facto, a obrigatoriedade das coisas e das pessoas terem principio, meio e fim, torna a existência aparentemente mais simples, mas também aborrecida. Se tudo nasce, vive e morre, ficamos com a maior parte das interrogações que deviam ser existenciais aparentemente resolvidas.
Mas, no fundo, não resolvemos nada, antes criámos uma espécie de metáfora mais ou menos evidente para esconder a nossa preguiça de reflexão e de interrogação.
E, assim, não caminhamos na busca do conhecimento, ficamos parados, passivos, estáticos, aceitando como terminado aquilo que se calhar ainda não começou, e tomando como tendo sido iniciado aquilo que já existe á muito. E no meio, provavelmente, não existe nada, só um elo de ligação.
A génese da vida, do universo, das coisas, só se torna importante quando deixamos de as aceitar como elas se oferecem e visionamos o que estava lá e o que está para vir!
Quando sonhamos!

A Regulação Social

Com um destaque sem precedentes nos anos mais recentes, realizou-se recentemente o XI congresso da CGTP-IN, Confederação Nacional dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional, subordinado ao tema "Emprego, Justa Distribuição da Riqueza, Mais Força aos Sindicatos".
Como linha de força do Congresso a CGTP pretendeu colocar a “valorização do trabalho e do sindicalismo mais na agenda política”.
Apesar de muita da comunicação social ter centrado a sua atenção na reeleição de Manuel Carvalho da Silva, o facto mais importante deste Congresso foi, sem sombra de dúvida, o destaque que conseguiu obter junto de todos aqueles que vêem o trabalho, o sindicalismo e as reivindicações sociais, como parte integrante de um processo de regulação social.
No momento actual do nosso país, ainda mal refeito de um violento combate ao défice das finanças públicas – com todas as consequências económicas e sociais que se conhecem – os problemas da regulação social assumem uma importância nuclear.
Em primeiro lugar, porque o “social” não pode ser deixado ao livre arbítrio do “mercado”, sob pena de ser secundarizado;
Em segundo lugar, porque nunca o “social” – entendido nos seus diferentes aspectos, económicos e políticos – esteve tão debaixo de ataques violentíssimos;
Em terceiro lugar, porque a “regulação social” ainda não ganhou em Portugal a sua “carta de alforria”, ou seja, ainda não se olha para a regulação social como um instrumento fundamental do desenvolvimento do País.
O próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros – Luís Amado – em recente entrevista, refere a necessidade de “reconstrução” do “social”, com a tarefa prioritária a que o governo deverá meter mãos nos tempos mais próximos.
Isto revela que, mesmo na esfera governamental, existe uma consciência de que as questões sociais tem sido descuradas em nome de um ênfase económico talvez excessivo.
Este XI Congresso da CGTP-IN deu assim um contributo importante para a criação de um clima mais favorável ao desenvolvimento de verdadeiros mecanismos de regulação social, entendida esta no seu cômputo geral e global, pois Portugal carece de verdadeiros mecanismos de regulação social, quer ao nível de sector de actividade quer ao nível de empresa.
O Governo, ao mesmo tempo que lança campanhas de promoção turística, de poupança energética, de segurança rodoviária, deveria também lançar uma enorme campanha de promoção da sindicalização, dignificando o papel do trabalhador sindicalizado e reforçando assim a capacidade económica dos Sindicatos.
As pessoas têm medo de se sindicalizar porque se o fizerem correm o risco de perder a própria precariedade em que se encontram, ou seja, o receio da sindicalização é o próprio receio da perda do emprego precário. E este facto é atentatório dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Os países mais competitivos do mundo – Finlândia, Suécia e mesmo os Estados Unidos nalguns sectores de actividade – têm taxas de sindicalização elevadíssimas e não foi isso que os impediu de alcançarem os patamares de desenvolvimento a que ascenderam. Se calhar, foi por terem essa fortíssima regulação social que conseguiram de forma tão notável ascender aos mais elevados patamares do desenvolvimento integrado.
Talvez porque olham a sociedade como um todo em harmonia e não permitem – através dos mecanismos de regulação social – que os fenómenos de extremismo social e económico aconteçam. Porque encaram a cidadania de forma diferente. Porque têm uma formação cidadã.
Porque fazem da regulação – económica, judicial, social – um mecanismo de desenvolvimento por excelência.
A consciência social portuguesa tem muito a aprender no que à regulação social respeita.
Mas, para isso, é necessário afastar temores, erradicar superstições e, acima de tudo, dar ao trabalho e a tudo aquilo que ele representa, um espaço de maior dignificação. Como diz a encíclica papal “laborum exercens” o trabalho não pode ser somente um veículo de sobrevivência, pois é, acima de tudo, uma forma suprema de dignificação dos homens e das mulheres.
É por tudo isto que acho que o XI Congresso da CGTP não pode deixar de ser considerado um grande contributo para uma maior consciência social em Portugal.

A Aldeia do Conhecimento

O ex-primeiro-ministro da Malásia, Mohatir Moahmed, considerado por muitos o “pai” da Malásia moderna – e apesar das críticas aos seus quase vinte e cinco anos de poder – escreve no seu último livro que o Islão – ou seja a comunidade que adopta a religião islâmica como religião professa – “…voltará a ser grande quando voltar a ser senhor do conhecimento.”
Esta ideia, que constitui aliás um regresso ideológico ao passado de grandeza intelectual do Islão dos séculos X, XI e XII, tem gerado nos países que oficialmente adoptam o Islão como religião de Estado, muitos seguidores.
Na prática, significa uma condenação das práticas radicais e extremistas – tão em voga nos dias de hoje – e reconduz a problemática da identidade e da importância, à questão do saber e do conhecimento.
Nada de novo, portanto, no plano ideológico.
Mas do ponto de vista prático, esta corrente doutrinária – busca da supremacia com base no conhecimento – tem levado muitos países da esfera islâmica à adopção de políticas de educação e formação sem paralelo no chamado mundo ocidental.
Uma das mais interessantes encontra-se no Dubai (Emiratos Árabes Unidos).
A par das majestosas construções com um design e uma arquitectura arrojadíssima, a par do luxo e da ostentação, de paredes meias com o grande centro financeiro da cidade, encontramos a “Aldeia do Conhecimento” – The Knowledge Village.
É um espaço físico, delimitado, onde estão alojadas cerca de 400 empresas de Recursos Humanos, Universidades, Academias, Escolas de Gestão, beneficiando todas elas de isenções fiscais totais – ou seja, não pagam qualquer tipo de imposto – por um período mínimo de dez anos.
Todas as entidades ali alojadas – bem como os Consultores e Professores independentes que o pretendam – podem utilizar a marca “Knowledge Village” para promoverem o seu trabalho e venderem os seus serviços.
Todos os residentes na “Aldeia do Conhecimento” têm obrigação de frequentarem os workshops regulares que visam a transferência de know-how e o desenvolvimento do trabalho em rede cooperativa.
Recentemente, aquando do Congresso Mundial da IFTDO – International Federation for Training and Development Organizations, realizado no Dubai, tive oportunidade de visitar a “Aldeia do Conhecimento” e tomar contacto directo com alguns dos projectos ali desenvolvidos.
Confesso que fiquei espantado!
Não esperava encontrar, paredes meias com o maior luxo, tanto amor e tanto empenho pelo Conhecimento.
Para que os leitores tenham ideia, assisti a uma apresentação – feita pelo Assessor do Sheik do Dubai para o desenvolvimento das lideranças – de um projecto a 15 anos, que visa desenvolver competências de liderança em toda a população, e preparar as sucessões tanto na Administração Pública como no sector privado.
É um projecto que conta com um investimento global de 12 biliões de dólares e que permite a todos os jovens adquirirem formação específica, terem um Coach, e sujeitarem-se a Assessment permanente das suas competências de liderança. Estagiam nas empresas e na Administração Pública, são avaliados e partilham as suas vivências e experiências com todos os envolvidos no projecto. A assistência técnica ao projecto é garantida por alguns dos maiores especialistas mundiais em liderança e assessment.
A participação no projecto não acarreta quaisquer despesas, inclusive a frequência de Mestrados e de Pós-Graduações é suportada pelo estado.
Convém dizer também que o Dubai – a par do Bahrain – já decidiu deixar de explorar petróleo. A sua economia depende hoje do comércio, do turismo e do sector financeiro.
Com esta visão e com esta coragem, não me admiro que o desejo de Mohatir Moahmed se cumpra e que, daqui a alguns – poucos – anos, o Islão volte a ser “dono” do conhecimento.
Gostava que olhássemos estes exemplos com menos preconceito e com mais atenção e cuidado.
Se assim não for, o Alvin Toffler, ao dizer que o futuro já aí está mas milhões de cegos não o querem ver, terá cumprido a sua “terceira vaga”.

Insensibilidade

Todos somos sensíveis a alguma coisa. Ao prazer, à dor, às crianças, aos idosos, ao justo, ao injusto, ao correcto, ao incorrecto, às lágrimas, à beleza.
É a nossa inteligência emocional.
Sentimos para conhecer e conhecemos para perceber e entender.
É o processo oposto de todas aquelas elucubrações que só se passam no domínio do intelecto. Pensamos, pensamos, voltamos a pensar, mas na maior parte dos casos sem qualquer reacção do sistema emocional e sensitivo. Acabamos por não entender nada, pois falta um elemento essencial: o sentir.
O processo de sentir – complexo e maravilhoso – não é um processo de canal único.
As diferentes formas de energia – magnética, eléctrica – nos seus diversos estados – frio, calor – a luz, as formas dos objectos que nos rodeiam, os cheiros, o tacto, o medo, são veículos que nos podem despertar emoções e sensações (estas podem transformar-se nas outras e vice-versa).
Todavia, ao longo dos anos, se nos distrairmos, podemos ir perdendo essa maravilhosa capacidade de sentir e de expressarmos esses sentimentos.
Muita gente, traumatizada por vidas duras e difíceis, quase perdeu a capacidade de se escutar, de sentir o seu coração e o seu corpo.
Outros, educados na repressão emocional – mais feroz, muitas vezes, do que a repressão física e policial – não conseguiram ainda libertar-se e vivem num estado de autêntica clausura emocional.
Outros ainda, tolhidos pelo medo de expressarem as suas emoções, convencem-se de que não são capazes de sentir e ignoram todos os sinais.
Modernamente, uma classe tecno-política (verdadeiros tecnocratas da política) emergente, é completamente incapaz de expressar emoções perante o sofrimento alheio. Reduz tudo a estudos e a análises económico-financeiras, cobrindo-se com o manto (não) diáfano do poder.
São os novos iletrados emocionais:
· Conseguem dizer que são sensíveis ao problema e nada fazer.
· Conseguem olhar com distanciamento o sofrimento alheio.
· Conseguem persistir em ideias do passado quando aí vem o futuro.
· Conseguem esconder-se dentro de uma redoma protectora.
· Conseguem viver não vivendo e não deixando os outros viver.
Estes novos iletrados emocionais – que pululam por aqui e por ali – reconhecem-se facilmente não por aquilo que fazem mas, acima de tudo, pelo que não fazem, autoproclamando-se proprietários da razão e os outros – os que sofrem, os que vivem com imensas dificuldades, os que não têm que comer – são sempre referidos como tendo dificuldades de entendimento e de análise das circunstâncias.
E até já se chegou ao cúmulo de classificar os dados sobre a pobreza e sobre as desigualdades na distribuição do rendimento em Portugal como “empiricamente falsos”.
Ou seja, tudo serve, tudo é utilizado para justificar a insensibilidade perante as dificuldades actuais das pessoas e das famílias.
É como se o país pudesse viver a dois níveis completamente antagónicos. O dinheiro para construir um novo aeroporto e uma rede de comboios de alta velocidade é um investimento e o país tem – ou pode obter – os recursos financeiros necessários.
Mas erradicar a pobreza, distribuir a riqueza gerada no país de forma mais equitativa, não é possível, porque o país (o mesmo do parágrafo anterior) não tem meios para tal.
Devemo-nos sentir mais orgulhos de ter um novo aeroporto ou de as pessoas terem os meios necessários para uma vida digna?
Devemos ter mais orgulho em ser uma sociedade justa e solidária na distribuição dos rendimentos ou em ter um TGV?
São estas as novas interrogações geradas pela iliteracia emocional.
E esta, levada ao extremo, transforma-se numa verdadeira insensibilidade!
Quem perde a sensibilidade às questões do justo e do injusto, do certo e do errado, do bem e do mal, perde toda a ética.
E quem perde a ética perde também a moral!

ocorreiodoluis@sapo.pt